Se você acha que educação é cara, experimente a ignorância.
Derek Bok
sexta-feira, 15 de junho de 2012
quarta-feira, 13 de junho de 2012
natureza morta da insídia
são ínfimos os fragmentos
talvez sejam porcelana antiga
que não resiste à minúcia de um olhar
descortinando o ardil
o esvoaçar da cortina
permitiu o fulgir da louça frágil
e perceber a sede acesa do lugar
na perplexidade inocente da carne
oiço a brisa de um alaúde
e a penumbra do perfume já distante
de uma pérfida Cleópatra
o papiro respira a amável escrita
no perímetro do vinho derramado
adivinhavam-se partículas do veneno
nas arestas de suor e nas esquinas
espreita a náusea e o véu do poder
após os cálculos desfeitos em pó
que tinha pairado nas horas mortas
intuem-se as vozes ciciadas
em ciladas mínimas mas bastantes
rastejam nos relógios vigiados
veludos não anunciados e perversos
na miríade de vestígios de carícias
sofre a nudez breves golpes de luz
Lisboa, 13 de Junho de 2012
Carlos Vieira
“A negação de S. Pedro” de Caravaggio
O Amor
Aragon:
" O amor é a única perda da liberdade que nos dá força": esta frase que ouvi à pessoa a quem mais quero neste mundo resume tudo quanto eu sei sobre o amor.
Quando o amor exige o sacrifício de tudo quanto faz a dignidade da vIda, nego que isso seja o amor.
Não posso passar sem a presença da pessoa amada. É possível que isso seja uma enfermidade."
DO AMOR ADMIRÁVEL E DA VIDA SÓRDIDA
" O amor é a única perda da liberdade que nos dá força": esta frase que ouvi à pessoa a quem mais quero neste mundo resume tudo quanto eu sei sobre o amor.
Quando o amor exige o sacrifício de tudo quanto faz a dignidade da vIda, nego que isso seja o amor.
Não posso passar sem a presença da pessoa amada. É possível que isso seja uma enfermidade."
DO AMOR ADMIRÁVEL E DA VIDA SÓRDIDA
terça-feira, 12 de junho de 2012
Amores de Verão VII
Foi nesse tempo que amou, sem reticências, a sua primeira professora. Foi ela, que só por estar ali, o ensinou sem saber, depois das letras brancas de giz e português escorreito, toda a ternura do fim do Verão.
Ele lembrava-se das suas mãos
sujas de óleo, na corrente de bicicleta dela, dos segredos que lhe contou, de
todas as ondas que amansou por ela, da sua elegância, do seu precário
equilíbrio.
Podia até falar de todas as vezes
que vigiando-a, a salvou do esquecimento e do seu sabor a sal, um paradoxo de
ingenuidade com o cabelo em desalinho.
Tantas foram as vezes que correu
atrás do chapéu e depois lho devolvia, como se fosse uma pomba, aguardando o
seu inesquecível sorriso agradecido.
Quantas foram as vezes que ele sonhou
o seu saber tranquilo, nas suas pernas cruzadas e o gelado de baunilha, a escorrer-lhe
por um canto dos lábios.
Recordo-a no final da praia, de fato
de banho claro, a cor foi-se desvanecendo com os anos, ela e o rabo-de-cavalo dos
seus cabelos louros, iam de encontro à falésia, havia o inevitável reflexo dourado
da areia, que para o efeito, podia não ter tido qualquer influência ou teria
sido esse ângulo de luz que a iluminou até hoje?
No fim da tarde uma maresia
intensa, dentro de mim, um oceano de angústia e uma vontade indefinível de a abraçar,
como se a acabasse de perder.
Já possuído das competências que ela
o dotara, conseguiu ler e reler dias depois, a notícia cinzenta e triste, no
jornal do país triste, nesse dia ainda mais cinzento, “jovem professora não
sobreviveu em colisão frontal”.
No seu peito deflagrou um grito, as
letras brancas do quadro negro e as letras negras daquele jornal, agora
bailavam atónitas nas suas mãos, perante os seus olhos foram-se desfazendo, líquidas,
naquele bocado de papel amargo.
Seria sempre mais adequado e
razoável, um outro distanciamento, a verdade é que ia começar um novo lectivo,
o estudo seria, certamente, muito mais produtivo.
Lisboa, 9 de Junho de 2012
Carlos Vieira
“Jacket” por Jodoin
Amorosa antecipação
Nem a intimidade de tua fronte clara como uma festa
nem o costume do teu corpo, ainda que misterioso e tácito e de menina,
nem a sucessão de tua vida em palavras ou silêncios
serão dádiva tão misteriosa
como contemplar teu sono envolvido
na vigília de meus braços.
Virgem milagrosamente outra vez, pela virtude absolutória do sono
quieta e resplandecente como um destino que a memória escolhe,
me darás essa margem de tua vida que tu mesma não possuis.
Lançado à quietude
divisarei essa praia última de teu ser
e ver-te-ei, quiçá pela primeira vez,
tal como Deus há de ver-te,
desbaratada a ficção do Tempo,
sem o amor, sem mim.
segunda-feira, 11 de junho de 2012
Amores de Verão VIII
Quase podia ouvir
os teus pequenos passos
estudados para o encontro
furtivos
por detrás das grandes rochas
do pensamento
antes da paixão
essa lâmina forjada na lua
perpendicular
o teu olhar libidinoso
a corroer-me por dentro
de um doce tormento
lembro-me depois de nós
de estarmos ali íntegros
nus e sós
sem mácula
os teus gritos
faziam parte da curva de água
no ruir das ondas
rastilho do esplendor
de todo o pecado
depois não ouvi mais nada
e fiquei cego
sei que não houve misericórdia
que algures aconteceu a nossa morte
e lembro-me de ter ressuscitado
ao teu lado
na coada madrugada
do céu riscado de uma barraca
no meu sonho não sei se dormias
profundamente
ou se tinhas partido
nunca mais deixei de te amar
nunca te poderia dizer
nunca te iria dizer
no medo de te perder
ao te acordar
Lisboa, 9 de Junho de 2012
Carlos Vieira
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