sexta-feira, 1 de junho de 2012
terça-feira, 29 de maio de 2012
Poema para uma cabra
existe uma cabra dentro de nós
que voa, que salta,
que cabriola
e depois regressa ao recolhimento da erva
à serenidade de monge budista
a olhar o precipício e o cume das montanhas
a cabra que cai em si
a cabra põe-se em bicos de pés
para ver ao longe
para que seja vista
cabra do desassossego
irrompe pelos barrancos
suspensa nas faldas da montanha
ágil é o raciocínio da cabra
sobre o manto de neve espreitam o infinito
manchas castanhas
erguem-se as puras hastes da alegria
de nariz no ar
contra o vento
ordenhas o nevoeiro
cuida a cabra da sobrevivência
progridem as cabras pelos penhascos
com ouvido de tísico e duros cascos
cabras góticas e inventadas e secas
poemas nómadas
ruminando papel de jornal
no espírito do rebanho
crescem nas pastagens mais recônditas
as elegantes cabras
são sonhos embevecidos para punhais
os lobos são vultos que vigiam
nas escarpas
as palavras proscritas
e as cabras perdidas
Lisboa, 29 de Maio de 2012
Carlos Vieira
domingo, 27 de maio de 2012
humores líquidos
flúor
e lágrimas de algas
num sonho de omoplatas
substância
na pele dos rochedos
um perfume de viagens e enredos
bálsamo
a insinuar-se nas tuas ancas
uma alma e um sexo de roldanas e alavancas
óleo
num altar de gaivotas
e de braços acesos onde não voltas
fragrância
no meridiano do desejo
toldando o cálculo despes a distância
ânfora
para onde confluiu
a água da chuva que desce teu corpo macio
orvalho
no estertor das palavras
que mordes e na foz das tuas pernas soletras
toda a tua ausência
no mar é esse infinito e líquido olhar
que o areal as ondas e as conchas insistem testemunhar
Lisboa, 27 de Maio de 2012
Carlos Vieira
“Waiting for
the light” de David Jay Spyker
sábado, 26 de maio de 2012
Soneto de um amor platónico, a morte nem por isso
fixo-te no verdete que contorna o prumo do silêncio
e abres os braços pela doce asfixia no fumo do tempo
da lâmina exacta de um olhar que ludibria pelo bailado
sei do teu regresso e desespero num abraço de afogado
escuto os teus passos a emergir nos degraus do lago
escorre fulgente pelos teus cabelos dos peixes a prata
uma estrela amadurece nos teus olhos o fruto do afago
gravas o teu caminho em fogo brando mulher ingrata
na linha do horizonte perscruto o teu gesto curvo de lua
e sob os teus ombros proclama-se a espuma das marés
no estuário dos astros o murmúrio de ondas vendo-te nua
depois existe o degelo das palavras que descem das montanhas
um guerrilheiro sai da gruta e encadeado na luz cai a teus
pés
olhas o céu e contorcidas de raiva tuas mãos desvendam
amanhãs
Lisboa, 26 de Maio de 2012
Carlos Vieira
Escultura de “Mulher Sonhando”
Não entres docilmente nessa noite escura - Dylan Thomas
Não entreis docilmente nessa noite serena,
porque a velhice deveria arder e delirar no termo do dia;
odeia, odeia a luz
que começa a morrer.
No fim, ainda que os sábios aceitem as trevas,
porque se esgotou o
raio nas suas palavras, eles
não entram docilmente
nessa noite serena.
Homens bons que clamaram, ao passar a última onda, como
podia
o brilho das suas
frágeis ações ter dançado na baia verde,
odiai, odiai a luz
que começa a morrer.
E os loucos que colheram e cantaram o vôo do sol
e aprenderam, muito
tarde, como o feriram no seu caminho,
não entram docilmente
nessa noite serena.
Junto da morte, homens graves que vedes com um olhar que
cega
quanto os olhos cegos
fulgiriam como meteoros e seriam alegres,
odiai, odiai a luz que
começa a morrer.
E de longe, meu pai, peço-te que nessa altura sombria
venhas beijar ou
amaldiçoar-me com as tuas cruéis lágrimas.
Não entres docilmente
nessa noite serena.
Odeia, odeia a luz
que começa a morrer.
Tradução:
Fernando Guimarães
Do Not Go
Gentle Into That Good Night
Do not go
gentle into that good night,
Old age
should burn and rave at close of day;
Rage, rage
against the dying of the light.
Though wise
men at their end know dark is right,
Because
their words had forked no lightning they
Do not go
gentle into that good night.
Good men,
the last wave by, crying how bright
Their frail
deeds might have danced in a green bay,
Rage, rage
against the dying of the light.
Wild men
who caught and sang the sun in flight,
And learn,
too late, they grieved it on its way,
Do not go
gentle into that good night.
Grave men,
near death, who see with blinding sight
Blind eyes
could blaze like meteors and be gay,
Rage, rage
against the dying of the light.
And you, my
father, there on the sad height,
Curse,
bless me now with your fierce tears, I pray.
Do not go
gentle into that good night.
Rage, rage
against the dying of the light.
Dylan Thomas
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