Um dia de cão
Ali está novamente do lado de dentro do aquário, abanando as barbatanas, respirando o mundo lá de fora pelas guelras que é como quem diz sobrevivendo.
No largo, no meio da relva, caía a noite e uma chuva miudinha. Observava os cães, de todas as raças que mijavam alçando a perna e aproveitavam para marcar território. Observava os seus donos que estão ali por causa deles e (ou) por causa dos outros donos de cães com quem tem agora uma cumplicidade, quase canina.
Trocam informação preciosa sobre cães, dedos de conversa sobre muitas outras coisas, pequenas confidências ou arremedos de pequenas e grandes seduções. Dão trela aos cães e aos donos dos cães. Tiram a trela e põem a trela enquanto a chuva cai irritante.
Todos sem exceção tem uma especial atenção para com alguns atos dos cães que se colocavam em situações menos adequadas, se exaltavam, iniciavam pequenas escaramuças, se afastavam das zonas de conforto, então verificava-se que o dono ou a dona tomavam atitudes pedagogicamente assertivas, pois é muito importante que o animal perceba quem é que manda.
Observava aquela simpática manifestação de animais e pessoas, alguns deles e delas, suas conhecidas. Olhavam-se no fundo da sua alma, da sua solidão e sorriam, enquanto os cães corriam uns atrás dos outros e saltavam, cheiravam-se reciprocamente, ladravam e abanavam o rabo, ele no seu voyeurismo decrépito era o único que estava ali a mais, desejando perversamente que todos trocassem de papéis.
Lisboa, 10 de Abril de 2013
Carlos Vieira
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