Foste o encontro furtuito
mulher de um momento
antes de um atalho
no canavial
abrigo do vento
pelo caminho das pedras
por entre as tréguas do musgo
a seguir às nádegas
vislumbro
na blusa molhada
um rouxinol a respirar
e se entreaberta
o intenso perfume
das primeiras chuva
a arfar
sobre o teu corpo nu
resvés da demência
e restolho da perdiz
num verão inesquecível
sobre o trigo
o meu dedo indicador
ainda vai pelo luar da tua pele
perpendicular
ao voo de melro azeviche
riscando o pomar
lembras-te
do espinho encravado
a dar início à dor
da ausência
de um final de tarde
e tu ávida a escorregar
para as margens violentas
do meu peito
a luz truculenta
dos teus olhos e das tuas unhas
a seiva do fruto que sorviam
teus lábios vermelhos
onde surpreendia
acesas manhãs
e erravam animais suaves
que saíam do nevoeiro
do tempo
a onde havia de chegar
a alegria transbordante das ribeiras
palavras vagas
que beijam a quilha triste
dos barcos de última viagem
encalhados na recôndita memória
murmuram-te
palavras que depois
se soerguem como feras
emboscadas
no rumo excêntrico das ancas
sonhando o túmido apogeu
dos teus seios
estrelas arquejantes
que na sua clarividência subtil
adornam na concha
das minhas mãos
em puro silêncio
apenas quebrado
pela cadência de bátegas chuva
sem sombra de pecado
que volta a cair
fria
e despertam de novo em mim
ou apenas me revela
a poesia
um recorrente desejo
de rever-te
neste meu ciclo frenético
de estações
de regresso ao local do crime
ao rumor
de um amor reincidente
à mesma mulher breve
de neve
cristal de reencontro
furtuita fonte
da eternidade.
da eternidade.
Lisboa, 1 de Abril de 2013
Carlos Vieira
Les amoureux de Vence (Marc Chagall)
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