terça-feira, 3 de abril de 2012

Das dificuldades de ser livre


Mais de vinte e quatro horas sem dormir

e tenho barcos e sonhos com as hélices presas

nos cabos do desespero

ao mesmo tempo que as cegonhas atravessam

a cidade oblíqua

e no bico transportam o musgo

de reconstruir a ternura

entretanto no labirinto dos canais e das marés

vai a liberdade ficando assoreada

e deixo-me ir na corrente

nessa resistência inútil das algas

irrompe em verde água e ironia

sobre a madrugada da ria

e o desperdício azul do sono

o progressivo declínio da esperança

as gaivotas  estremunhadas

voltam ao seu ofício de devorar os barcos

cada vez menos durmo

e nessa vigília

cada vez é mais difícil reconhecer as palavras

onde respiram os homens.



Lisboa, 3 de Abril de 2012

Carlos Vieira



                                              “São Jerónimo” de Leonardo da Vinci

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