terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Depoimento de uma testemunha pouco relevante


Recordo-me de uma luz tímida trémula

naquele suspenso jardim de inverno

e da sobrevivência de um vulto

antes de um fogacho

que foi uma flor pretensiosa e intrépida

que se apagou no estampido

e desapareceu na selva o trote de um órix.

No vento revelou-se um inesperado incêndio

e a minha asma

que se sucedeu sucessivamente,

sem grande precisão

ainda sinto aquele perfume preliminar de horas mansas

uma impaciência da sala de estar

e a brisa da tarde onde sustive a respiração

perante a nua tranquilidade das ameixas roxas.

Podia adivinhar

naquela gente o sorriso cínico

depois soluços de âmbar.

Sobre uma mesa tenho a cristalina memória  

da solitária dissidência de um jarro de água

e do seu olho vítreo a observar-nos

sobre um naperon de linho

no início da sede e do pesar.

A essa hora

ainda havia  luz no jardim, suspensa

que se ia finando também

afinal talvez uma réstia

da rapariga trémula e tímida

disseram-me que louca

e agora, de facto, mortas

- tenho aquela imagem

de um  final -

ela e a pistola mais à frente,

sobre o resto

gostaria de não me pronunciar.


Lisboa, 20 de Fevereiro de 2012
Carlos Vieira


Aguarela pintada por Vassia Alaykova




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