quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012
Reflexão num abrigo de montanha
Ludibriar o guardião da penumbra
fazer a bola passar-lhe entre as pernas
depois dessa genuína e infantil artimanha
urdir um louco pretexto de amor livre
e ser ele o luzeiro que oculto murmura
nosso engenho do vento a iludir a censura
e nesse mirabolante ardil de luz e de sol
nunca deixará de cintilar dentro de nós
a voz cristalina e inquieta da montanha
que sobre o imenso manto branco de neve
sobressaltos de abismos e de beijos adormece.
Lisboa, 27 de Dezembro de 2011
Carlos Vieira
“ravens” Arnt Flamto
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012
DO FUNDO DE UM POÇO
Havia muitos poços na infância, ela própria, ainda hoje poço
primordial da minha sede, no quintal que se perdeu da casa dos meus pais.
Lembro-me de olhar
para dentro dele e sair em seco do outro lado do mundo, dos caminhos em
círculos concêntricos dos peixes e da curiosidade das rãs, onde o meu rosto, na
moldura dum céu sem nuvens, lhe fazia adivinhar ainda assim, uma chuva de
pedras.
Ainda está fresca na
minha memória, a água que retirava do balde, em alegrias de dar à corda, a
inebriante música, feita de arabescos, de sonhos de odaliscas e dos movimentos
mínimos e insondáveis dos mecanismos da nora e do percurso final da água, num
mármore branco que já fazia parte da minha sede.
A minha memória do
verão é feita do gesticular das picotas nos campos, a que se sucedeu o troar
dos motores de rega, junto de circunferências de tijolos vermelhos, semeadas
pelos terrenos com cerca de um metro de altura, que nos separavam do abismo.
Até que um dia, o
poço deixou de ser esse mistério profundo, onde os animais da mitologia se
poderiam encontrar e se guardavam os tesouros das guerras e dos grandes
injustiçados da História.
O meu pai disse-me,
“- Para a semana, vamos limpar o poço!”, tal determinação e tarefa no meu metro
e pouco de tamanho, perante os muitos metros de profundidade do mesmo, assumia
dimensão que nem o Hércules mais competente ou mais dotado poderia realizar,
sem correr riscos desmedidos.
Todos os dias sonhava
com aquele dia, em que desceria à noite do poço e poderia olhar de frente a
morte, as rãs e os peixes e os pardais que tinham a ousadia ou a imprudência,
de fazer ninhos nas suas paredes.
Até que chegou o dia
e através do sarilho, depois de ser despejada a água do poço, desci nos meus
doze anos até aos vinte metros, não sei se estarei a meter água, nem sei se
sabem o que é um sarilho, uma geringonça de outro século que nos mantinha a
esperança de voltarmos ao século vinte, e que ao mesmo tempo que retirava a
terra que se tinham acumulado ou outros detritos no fundo poço, nos trazia
também o almoço.
Aquele poço ajudou-me a ver que nas entranhas da terra, o
céu era apenas uma luz ao fundo do túnel, a perceber a pobreza e fragilidade
dos sonhos confinados e o valor da corrida, em linha reta, pelas estradas de
terra batida dos campos, nem que fosse apenas contra o vento ou contra a chuva,
ensopado até aos ossos, naqueles outros lençóis de água verticais.
Carlos Vieira
domingo, 26 de fevereiro de 2012
Baco e Ariadne
Baco e Ariadne
sigo ainda sóbrio
o reflexo do eterno e leve
esplendor das uvas
o exasperar das parras
nuvens de ouro breve
depois das chuvas
harpas suspensas
pueris jogos de criança
reconheço o teu cheiro
o vinho novo a fermentar
deito à terra macia
o sonho de vindima
do teu corpo esguio
um coração esmagado
a ancestral dança do lagar
à volta da prensa
de ti e dos céus
fiquei aturdido
ou fiquei ébrio
daquilo que não bebi
Lisboa, 26 de Fevereiro de 2012
Carlos Vieira
sábado, 25 de fevereiro de 2012
Evasão - Miguel Torga
Chaves, 6 de Setembro de 1991
EVASÃO
De luz são estas horas clandestinas
E vagabundas,
Roubadas à razão e à lógica dos outros.
O sol ergue-se nelas com fulgor
Dobrado.
Não há sombras no largo descampado
Onde se esconda a alma envergonhada.
Pura, campeia, íntima e liberta,
Contente
Do ensejo gratuito da aventura.
Viver é ser no tempo intemporal.
É nunca, a ser o mesmo, ser igual.
É encontrar quando nada se procura
Miguel Torga, in Diário XVI
ESTÂNCIAS (II -2) - Mário Cláudio
" Estranha idade nos deste, para que a tua face se
estampasse no linho.
A vida nos pedistes pela vida, peregrinos reunidos à
tua mesa.
Em verdade, em verdade, foi longo o caminho e
nele rasgámos os pés, o caminho, e uma
espuma de corolas crescia em seu flanco.
Onde quer que abríssemos o livro, o teu nome se
... imprimia, pois entre nós morava a morte por
então.
Preciso era que uma ave se levantasse. E não fosse
senão do clarão da alvorada, e não fosse, e
por ela suplicássemos: " Fica connosco, por-
que o dia vai no fim".
Depois veio o mais simples desses tempos: olhara
direito o esplendor dos lírios, de um trago
beber da esponja do vinagre."
Mário Cláudio - Dois Poemas
Trecho de "O Mundo à Minha Procura" - Ruben A
"Pouco depois desembocámos no Ouro. Aí, junto ao rio, nem vivalma. O temporal expulsara as pessoas, e os barcos arrimados, na margem pareciam os queixais tirados da boca do Deus Neptuno. Estavam petrificados, a monte, e em dias de sol, durante a forte invernia, ainda serviam às crianças para esconderijo e aos velhos lobos-do-mar como abrigo para remendar as redes. O Douro não poupava as margens, s...ubia, trazia manancial da Régua, das terras altas, uma barrela de água que do lado de lá parecia dar à Afurada um ar de esconderijo de pescadores lacustres.
O céu fúnebre, de cinzentos a querer luto pesado - o barro podre e turvo da cheia, o verde escuro das árvores de folha perene, o som guinhado de carros eléctricos arrastando carreiros de água no seu vapor de precaução, e a ânsia de chegar para ver os que ainda lá estavam - aumentava a passada de Sezé. Ele não falava, pensava com os mortos. Seria possível que não houvesse salvação? Estariam eles mesmo a morrer à flor dos olhos?"
O Mundo à Minha Procura - Ruben A
O céu fúnebre, de cinzentos a querer luto pesado - o barro podre e turvo da cheia, o verde escuro das árvores de folha perene, o som guinhado de carros eléctricos arrastando carreiros de água no seu vapor de precaução, e a ânsia de chegar para ver os que ainda lá estavam - aumentava a passada de Sezé. Ele não falava, pensava com os mortos. Seria possível que não houvesse salvação? Estariam eles mesmo a morrer à flor dos olhos?"
O Mundo à Minha Procura - Ruben A
sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012
Hoje fui à praia
dei meus braços à presença
imaculada das gaivotas
e o corpo à areia e
ao vento
ali assistiram
empoleiradas
ao desfraldar das velas
e ao encrespar da dor
ao subir dos mastros
e à humidade crescente
na vaga do olhar
pobres gaivotas
que confiaram
o refúgio da tempestade
ao louco desafio
dos meus abraços
e pensamentos
afogados numa ilusão
de vida em corpos de
sereia.
Lisboa 24 de Fevereiro de 2012
Carlos Vieira
quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012
Dois poemas sem pão e sem título
I
o pão é alvo
a fome é negra
as letras são magras
e correm como loucas
pelas folhas em branco
são pássaros neste tempo
de Inverno rigoroso
que buscam as migalhas do poema
do pão que o diabo amassou
II
pensar o poema
juntar-lhe o fermento
ir ao forno da memória
das noites de pão quente
ou de antes disso
do pão ázimo
dos versos mal cozidos
que a mãe trazia pela mão
de volta à casa
da fome e do medo
Lisboa, 22 de Fevereiro de 2012
“Saint blessing of bread, together with an elderly lady and a young ” por Jusepe de Ribera
terça-feira, 21 de fevereiro de 2012
NOIVADO
Estendeu
os braços carinhosamente
e avançou, de mãos abertas
e cheias de
ternura.
- És tu Ernesto, meu amor?
Não era. Era o Bernardo.
Isso não
os impediu
de terem muitos meninos
e não serem felizes.
É o que faz a
miopia.
Mário-Henrique Leiria
(Contos do Gin-Tónico)
Antoine Watteau
Crepúsculo mascarando as árvores eas faces
Com o seu manto azul, sob um disfarce incerto;
Uma poalha de beijos rondando as bocas lassas...
Surge terno o que é vago e longínquo o que é perto.
A mascarada, outra longe melancolia,
Faz o gesto de amar mais falso, triste encanto.
Capricho de poeta - ou prudência de amante,
Que para adornar o amor há que ter maestria -
Eis barcas, libações e harmonias.
Marcel Proust
"The Feast of Venice" - Antoine Watteau
Sinfonia Fantástica, de Berlioz
Programas, poetas, sonhos de ópio,
pastores pipilando, e as guilhotinas,
e o sábat das bruxas ao som do Dies Irae,
comédia melancólica e sarcástica
de romantismo sentimental e crítico
desesperadamente triste de si mesmo,
na solidão do espírito perdido
num mundo burguês sem fantasia,
sem mais maravilhoso que o da infâmia,
sem mais espanto que o da hipocrisia.
Tudo isto com bem pouca reserva,
bastante vulgaridade, muito efeito fácil,
e um colorido por vezes novo rico
como os cristais e as pratas dos barões banqueiros.
Mas é música, violentamente
música. Agressivamente
música. Os ritmos
de cadência, colorido, timbres,
estilos, tons - é tudo música.
Da solidão romântica imensamente pública - mas solidão.
Da amargura romântica tremendamente amena - mas uma amargura.
Da raiva de não ser o mundo uma obra de arte,
um indivíduo, a glória, a liberdade.
Música pungente, irónica, raivosa,
ainda saudosa das doçuras clássicas
com deuses imortais (de pedra branca).
Se não sentimos isto, porque a grosseria
cresceu à escala cósmica, nenhuma culpa
acaso cabe a tais visões sonoras,
em que a tristeza sabe imaginar-se
tão puramente um canto de oboé,
com percussões pontuando o mundo a que assistimos,
ao som dos arcos e metais:
grandeza caricata deste inferno amável
(cheio de róseas profundezas - e assassinos).
23/10/1964
Poesia II, Jorge de Sena
Depoimento de uma testemunha pouco relevante
Recordo-me de uma luz tímida trémula
naquele suspenso jardim de inverno
e da sobrevivência de um vulto
antes de um fogacho
que foi uma flor pretensiosa e intrépida
que se apagou no estampido
e desapareceu na selva o trote de um órix.
No vento revelou-se um inesperado incêndio
e a minha asma
que se sucedeu sucessivamente,
sem grande precisão
ainda sinto aquele perfume preliminar de horas mansas
uma impaciência da sala de estar
e a brisa da tarde onde sustive a respiração
perante a nua tranquilidade das ameixas roxas.
Podia adivinhar
naquela gente o sorriso cínico
depois soluços de âmbar.
Sobre uma mesa tenho a cristalina memória
da solitária dissidência de um jarro de água
e do seu olho vítreo a observar-nos
sobre um naperon de linho
no início da sede e do pesar.
A essa hora
ainda havia luz no jardim, suspensa
que se ia finando também
afinal talvez uma réstia
da rapariga trémula e tímida
disseram-me que louca
e agora, de facto, mortas
- tenho aquela imagem
de um final -
ela e a pistola mais à frente,
sobre o resto
gostaria de não me pronunciar.
Lisboa, 20 de Fevereiro de 2012
Aguarela pintada por Vassia Alaykova
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012
Esplendor na Relva
Natalie Wood em "Splendor in the Grass"
Eu sei que deanie loomis não existe
mas entre as mais essa mulher caminhae a sua evolução segue uma linhaque à imaginação pura resiste
A vida passa e em passar consiste
e embora eu não tenha a que tinha
ao começar há pouco esta minhaevocação de deanie quem desiste
na flor que dentro em breve há-de murchar?
(e aquela que no auge a não olhar
que saiba que passou e que jamais
lhe será dado a ver o que ela era)
Mas em deanie prossegue a primavera
e vejo que caminha entre as mais
Ruy Belo
domingo, 19 de fevereiro de 2012
Breve epifania do amor de Pedro e Inês
"Obra de Lima de Freitas"
Breve epifania do amor de Pedro e Inês
os monges percorrem os claustros, o silêncio, a horta
o silêncio e os claustros
nos monges há um
perfume dos legumes frescos
dou-te a minha mão
enigma de carne macia e hortelã
e um deslumbramento de sangue empolga
o teu coração de calcário
sob a cúpula da manhã
os frades depois das matinas tinham tempo
paciência e temperamento
os doces aromas conventuais dos frades
acordámos dos nossos sonhos de pedra
na surpresa das
gentes por seres tão jovem
o mar que bramia
aturdido da tua morte
no nosso sono eterno
era um choro interior
no convento havia punhais, cânticos e andorinhas
perpendiculares às
lâminas de luz
que atravessavam os vitrais e as orações
nas noites seculares da insónia
levantávamo-nos do túmulo dos dias
e banhávamo-nos no
rio
nunca morrem
os que não saram a cicatriz da história
Lisboa, 18 de Fevereiro de 2012
Carlos Vieira
sábado, 18 de fevereiro de 2012
Le Vin des Amants - Baudelaire
LE VIN DES
AMANTS
Aujourd'hui l'espace est splendide!
Sans mors, sans éperons, sans bride,
Partons à cheval sur le vin
Pour un ciel féerique et divin!
Comme deux anges que torture
Une implacable calenture,
Dans le bleu cristal du matin
Suivons le mirage lointain!
Mollement balancés sur l'aile
Du tourbillon intelligent,
Dans un délire parallèle,
Ma soeur, côte à côte nageant,
Nous fuirons sans repos ni trêves
Vers le paradis de mes rêves!
Charles Baudelaire
O VINHO DOS AMANTES
Está esplêndido o espaço, hoje!
Sem freios, esporas ou rédeas,
Partamos a cavalo no vinho
Para um céu feérico e divino!
Como dois anjos a quem tortura
Uma implacável insolação,
No cristal azul da manhã
Sigamos a longínqua miragem!
Aujourd'hui l'espace est splendide!
Sans mors, sans éperons, sans bride,
Partons à cheval sur le vin
Pour un ciel féerique et divin!
Comme deux anges que torture
Une implacable calenture,
Dans le bleu cristal du matin
Suivons le mirage lointain!
Mollement balancés sur l'aile
Du tourbillon intelligent,
Dans un délire parallèle,
Ma soeur, côte à côte nageant,
Nous fuirons sans repos ni trêves
Vers le paradis de mes rêves!
Charles Baudelaire
O VINHO DOS AMANTES
Está esplêndido o espaço, hoje!
Sem freios, esporas ou rédeas,
Partamos a cavalo no vinho
Para um céu feérico e divino!
Como dois anjos a quem tortura
Uma implacável insolação,
No cristal azul da manhã
Sigamos a longínqua miragem!
Baloiçando docemente sobre a
asa
Do turbilhão inteligente,
Num delírio idêntico,
Minha irmã, nadando lado a lado,
Fugiremos sem pausa nem descanso
Para o paraíso de meus sonhos!
Do turbilhão inteligente,
Num delírio idêntico,
Minha irmã, nadando lado a lado,
Fugiremos sem pausa nem descanso
Para o paraíso de meus sonhos!
Cinco Natais de Guerra - 1947
Cinco Natais de Guerra
1947
Mécia
Não é já de Natal esta poesia.
E, se a teus pés deponho algo que encerra
e não algo que cria,
é porque em ti confio: como a terra,
1947
Mécia
Não é já de Natal esta poesia.
E, se a teus pés deponho algo que encerra
e não algo que cria,
é porque em ti confio: como a terra,
por sobre ti os anos passarão,
a mesma serás sempre, e o coração,
como esse interior da terra nunca visto,
a primavera eterna de que existo,
o reflorir de sempre, o dia a dia,
o novo tempo e os outros que hão-de vir.
Jorge de Sena, Poesia-I
José Rodrigues Miguéis, Léah
José Rodrigues Miguéis, Léah, porque é indecente o esquecimento a que foi votado e o seu afastamento dos manuais escolares, aquei deixo um pequeno trecho.
"Anoitecia cedo, e eu sufocava de tristeza e nostalgia. Ainda não tinha tido tempo de fazer amizades, os meus trabalhos de laboratório estavam indecisos, e em vão tentava interessar-me pela gente com quem, ocasionalmente, entrava em contacto. Saía de manhã, sem sol, e reentrava ao prematuro entardecer. Tinha levado anos a ...sonhar com a independência, que nunca usufruíra, a meu gosto, e agora, senhor de mim, sentia-me de repente incapaz de usar dela. O "estrangeiro" desiludia-me nos primeiros contactos, e eu retraía-me. A verdade, não tardaria a sabê-lo, é que a liberdade pessoal e o sossego se pagam em silêncio, tributo o mais pesado. Por contraditório que pareça, só a presença de outros seres humanos acorda em nós as reacções que nos forçam a pensar, a mobilizar os conhecimentos, e a agir. Isto explica como é que eu nunca consegui viver sozinho nem longe - duas coisas que desejava ardentemente. E também nunca fui feliz na companhia de niguém, nem tornei felizes senão aqueles que, de mim, só conhecem as aparências. Mas esta dialéctica da misantropia (ou timidez) não será demasiado especiosa para ti, Léah?"
"Anoitecia cedo, e eu sufocava de tristeza e nostalgia. Ainda não tinha tido tempo de fazer amizades, os meus trabalhos de laboratório estavam indecisos, e em vão tentava interessar-me pela gente com quem, ocasionalmente, entrava em contacto. Saía de manhã, sem sol, e reentrava ao prematuro entardecer. Tinha levado anos a ...sonhar com a independência, que nunca usufruíra, a meu gosto, e agora, senhor de mim, sentia-me de repente incapaz de usar dela. O "estrangeiro" desiludia-me nos primeiros contactos, e eu retraía-me. A verdade, não tardaria a sabê-lo, é que a liberdade pessoal e o sossego se pagam em silêncio, tributo o mais pesado. Por contraditório que pareça, só a presença de outros seres humanos acorda em nós as reacções que nos forçam a pensar, a mobilizar os conhecimentos, e a agir. Isto explica como é que eu nunca consegui viver sozinho nem longe - duas coisas que desejava ardentemente. E também nunca fui feliz na companhia de niguém, nem tornei felizes senão aqueles que, de mim, só conhecem as aparências. Mas esta dialéctica da misantropia (ou timidez) não será demasiado especiosa para ti, Léah?"
Stop and Hear the Music - Joshua Bell
This is so awesome. Please take a moment to read:
A man sat at a metro station in Washington DC and started to play the violin; it was a cold January morning. He played six Bach pieces for about 45 minutes. During that time, since it was rush hour, it was calculated that 1,100 people went through the station, most of them on their way to work.
Three minutes went by, and a middle aged man notic...ed there was musician playing. He slowed his pace, and stopped for a few seconds, and then hurried up to meet his schedule.
A minute later, the violinist received his first dollar tip: a woman threw the money in the till and without stopping, and continued to walk.
A few minutes later, someone leaned against the wall to listen to him, but the man looked at his watch and started to walk again. Clearly he was late for work.
A man sat at a metro station in Washington DC and started to play the violin; it was a cold January morning. He played six Bach pieces for about 45 minutes. During that time, since it was rush hour, it was calculated that 1,100 people went through the station, most of them on their way to work.
Three minutes went by, and a middle aged man notic...ed there was musician playing. He slowed his pace, and stopped for a few seconds, and then hurried up to meet his schedule.
A minute later, the violinist received his first dollar tip: a woman threw the money in the till and without stopping, and continued to walk.
A few minutes later, someone leaned against the wall to listen to him, but the man looked at his watch and started to walk again. Clearly he was late for work.
The one who paid the most attention was a 3 year old boy. His mother tagged him along, hurried, but the kid stopped to look at the violinist. Finally, the mother pushed hard, and the child continued to walk, turning his head all the time. This action was repeated by several other children. All the parents, without exception, forced them to move on.
In the 45 minutes the musician played, only 6 people stopped and stayed for a while. About 20 gave him money, but continued to walk their normal pace. He collected $32. When he finished playing and silence took over, no one noticed it. No one applauded, nor was there any recognition.
No one knew this, but the violinist was Joshua Bell, one of the most talented musicians in the world. He had just played one of the most intricate pieces ever written, on a violin worth $3.5 million dollars.
Two days before his playing in the subway, Joshua Bell sold out at a theater in Boston where the seats averaged $100.
This is a real story. Joshua Bell playing incognito in the metro station was organized by the Washington Post as part of a social experiment about perception, taste, and priorities of people. The
outlines were: in a commonplace environment at an inappropriate hour: Do we perceive beauty? Do we stop to appreciate it? Do we recognize the talent in an unexpected context?
One of the possible conclusions from this experience could be:
If we do not have a moment to stop and listen to one of the best musicians in the world playing the best music ever written, how many other things are we missing?
Josh Nonnenmocher
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012
Investigadores alemães descobrem quatro espécies de camaleões anões em Madagáscar
Investigadores alemães descobrem quatro espécies de camaleões anões em Madagáscar.
(Público)
Em Portugal, nestes novos tempos podem ser descobertos muitos mais e não são do tamanho
de cabeças de fósforos, são de candeeiros de considerável dimensão!
http://ecosfera.publico.pt/noticia.aspx?id=1533903#Commente
(Público)
Em Portugal, nestes novos tempos podem ser descobertos muitos mais e não são do tamanho
de cabeças de fósforos, são de candeeiros de considerável dimensão!
http://ecosfera.publico.pt/noticia.aspx?id=1533903#Commente
Aqui há gato!
Pela manhã, à porta do local onde
trabalho, à minha espera, sempre está o mesmo gato listado, de um olho só.
Mesmo quando chego muito cedo, o gato cinzento ali está especado apenas num
olho, com ares de burguês abandonado, a quem só falta o monóculo. Fita-me como
quem diz “eu estou-te a ver” ou parece dizer “eu quero que me vejas”.
Chego aí pelas oito horas, o gato
mia, como quem diz, “bom dia!”. O que é certo, é que a manhã fica mais quente.
Por fim, chego ao trabalho onde mia o tal gato afoito, burocrata, conhecedor dos
meandros e das rotinas. Nunca chega tarde e não faz mais nada, ali está sentado,
parece dizer, “eu te saúdo, tu que vais trabalhar” ou “eu te vigio, pobre
escravo”.
Durante o dia, ali fica o bicho com
seu olho único, esquálido, de unhas de fome, fazendo contas silenciosas, de uma matemática ágil e imperturbável. Cofia o bigode e podia distender a cauda
inúmeras vezes durante o dia, como quem deixa subentendido, não haver qualquer
preocupação relevante.
Posso afirmar que era um gato elegante,
para além da distinção que todos os gatos parecem transportar. Era displicente
ou mais precisamente era na aparência displicente, pois apanhei-o fortuitamente
encenando poses.
Lançava-me da sua altivez
olhares de compaixão, perante a minha a minha humana fadiga, à tarde depois do
trabalho, ia-me embora, nas minhas costas sentia o seu olho de gato cravado e
seu o rabo acenava um “adeus” relaxado, parecendo dizer, “por hoje, cumpriste o
teu dever”.
Um destes dias, quando cheguei ao
trabalho fiquei perdido. O gato não apareceu, faltava ali aquele vulto, aquele
aristocrático bom dia. Uma tristeza invadiu-me todo o dia. É verdade que há algumas
coisas que só damos valor, quando lhe sentimos a falta.
No entanto nunca lhe tinha
dirigido palavra, após vinte anos de casa tinham despedido “o gato”, não tinha
grande margem de progressão e era imperativo que se cortassem nas “gorduras”.
Agora o olho único de uma câmara
de vídeo vigilância e a sua discrição eficiente era mais do que suficiente e a
sua simpatia automática do “sorria, está a ser filmado”, reservava-nos a
eternidade virtual.
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
terça-feira, 14 de fevereiro de 2012
Terra à terra
Há dias em que dentro de nós há sementes de fúria
vamos pela noite fora e faíscam lâminas de charrua
a esventrar a terra do eterno descanso
há dias em que mordemos de raiva a côdea da terra
e irrompendo pelos caminhos das trevas
somos a incansável perícia do trigo
há dias de tropeçar nos torrões a agonizar nas planícies
do estrangulado desespero de raízes
de pressentir a minha sombra debaixo da terra
há dias que recordo o cheiro intenso depois das chuvas
e do vapor que se libertava das entranhas da terra
agora só a memória me deixa respirar
há dias em que dormimos abraçados eu e a terra
há dias que parecem noites em que não durmo
depois vou acordar já morto nos teus braços
Lisboa, 14 de Fevereiro de 2012
“Who am I” pintura de Maximilian Toth
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012
Light breaks where no sun shines - Dylan Thomas
A luz rompe onde o sol não brilha;
Onde o mar não corre, as águas do coração
Avançam suas marés;
E, quebrados espectros com pirilampos nas cabeças.
As coisas da luz
Insinuam-se na carne onde carne não cobre os ossos.
Um círio entre as pernas
Aquece a juventude e o sémen e queima o sémen da idade;
Onde sémen se não agita,
O fruto do homem incha nas estrelas,
Brilhante como um figo;
Onde cera não há, o círio mostra os seus cabelos.
A alvorada rompe atrás dos olhos;
De mastros do crânio e dedos dos pés o soprante sangue
Desliza como um mar;
Sem muros nem estacadas, os borbotões do céu
Esguicham para a vara do vedor
Num sorriso o óleo das lágrimas.
A noite nas órbitas arredondada,
Como uma luz de paz, o limite dos globos;
O dia acende o osso;
Onde frio não há, as ventanias desprendem
As vestes do Inverno;
A película da Primavera pende nas pálpebras.
A luz rompe em lotes secretos,
Em pontas do pensar onde os pensamentos cheiram mal na chuva;
Quando a lógica morre,
O segredo do solo cresce pelos olhos dentro,
E o sangue salta ao sol;
Por sobre os terrenos vagos a alvorada pára.
...
Light breaks where no sun shines;
Where no sea runs, the waters of the heart
Push in their tides;
And, broken ghosts with glow-worms in their heads,
The things of light
File through the flesh where no flesh decks the bones.
A candle in the thighs
Warms youth and seed and burns the seeds of age;
Where no seed stirs,
The fruit of man unwrinkles in the stars,
Bright as a fig;
Where no wax is, the candle shows its hairs.
Dawn breaks behind the eyes;
From poles of skull and toe the windy blood
Slides like a sea;
Nor fenced, nor staked, the gushers of the sky
Spout to the rod
Divining in a smile the oil of tears.
Night in the sockets rounds,
Like some pitch moon, the limit of the globes;
Day lights the bone;
Where no cold is, the skinning gales unpin
The winter’s robes;
The film of spring is hanging from the lids.
Light breaks on secret lots,
On tips of thought where thoughts smell in the rain;
When logics die,
The secret of the soil grows through the eye,
And blood jumps in the sun;
Above the waste allotments the dawn halts.
Dylan Thomas (1914 - 1953)
tradução: Jorge de Sena
domingo, 12 de fevereiro de 2012
A besta
A besta
está de pé sobre o prado
e um sonho espezinhado
baixa os cornos
e nós somos o sonho
a besta cega
que cá dentro
se baixa
ou investe
por todo o lado.
Lisboa, 12 de Fevereiro de 2012
João Carreira
“Reflecting the beast” Lee Zimmerman
Excerto do conto Eleonora, de Edgar Allan Poe
"Os homens chamaram-me louco; mas ainda não está assente se a loucura é ou não a mais elevada das inteligências, se quase tudo o que é glória, se tudo o que é profundidade, não provém de uma doença do pensamento, de um modo de ser do espírito à custa do intelecto geral. Os que sonham de dia têm conhecimento de muitas coisas que escapam aos que só sonham de noite. Nas suas visões brumosas, captam foragidos da eternidade e estremecem, ao despertar, por verem que estiveram à beira do segredo. Captam pedaços de algo do conhecimento do Bem, a ainda mais da ciência do Mal. Sem leme e sem bússola, penetram no vasto oceano de luz inefável, como se para imitar os aventureiros do geógrafo núbio, agressi sunt Mare Tenebrarum, quid in eo esset exploraturi. Diremos, por conseguinte, que sou louco. Reconheço, pelo menos, que há duas condições distintas na minha existência espiritual: a condição de razão incontestavelmente lúcida, e a condição de sombra e de dúvida."
A Estultícia
"Da mesma farinha são os escritores que correm atrás da fama imortal publicando livros. Todos me devem muito, principalmente aqueles que sujam o papel com meras bagatelas. Quanto àqueles que escrevem eruditamente para serem julgados pela minoria dos doutos, que não recusam o juízo de Pérsio ou Lélio, parecem-me mais míseros do que beatos, porque perpetuamente se torturam. Acrescentam, mudam, suprimem, repõem, repetem, refazem, insistem, guardam o manuscrito durante nove anos, e nem assim ficam satisfeitos; o louvor, fútil prémio, e que só poucos recebem, é comprado por vigílias, por suores e por tormentos, quando o sono é a coisa mais doce. Acrescentemos o dispêndio de saúde, a perca da formosura, o cansaço da vista e até a cegueira, a pobreza, a inveja, a abstinência de volúpia, a precoce senectude, a morte prematura, e outras tantas misérias. Com tantos males obtém o sapiente apenas a aprovação de um ou outro semelhante. Ao passo que o meu escritor, delirante de felicidade e sem dura lucubração, deixa passar pelo cálamo tudo quanto vai sendo visto pela alma, dorme e transcreve os sonhos, consome apenas o papel, e não desconhece que quanto mais fúteis forem as suas futilidades tanto mais será aplaudido pela maioria, isto é, por todos os estultos e indoutos. Que lhe importa a reprovação de dois ou três doutos que porventura o leiam? De que valeria a opinião de tão poucos sapientes perante a turba imensa dos que o aplaudem? ...
Erasmo de Roterdão, em Elogio da Loucura
A Coat / Um Casaco de W. B. Yeats
A Coat (W. B. Yeats – The Responsibilities, 1914)
I made my song a coat
Covered with embroideries
Out of old mythologies
From heel to throat;
But the fools caught it,
Wore it in the world’s eyes
As though they’d wrought it.
Song, let them take it,
For there’s more enterprise
In walking naked.
Um Casaco
Fiz à poesia um casaco
Todo bordado e com rendas
De velhas mitologias,
Do pescoço até aos pés;
Mas os asnos mo roubaram,
Usaram-no aos olhos do mundo,
Como se o tivessem feito.
Poesia, deixa-os usá-lo,
Pois que há muito mais coragem
Em passear-se em pelota.
Tradução de Jorge de Sena
I made my song a coat
Covered with embroideries
Out of old mythologies
From heel to throat;
But the fools caught it,
Wore it in the world’s eyes
As though they’d wrought it.
Song, let them take it,
For there’s more enterprise
In walking naked.
Um Casaco
Fiz à poesia um casaco
Todo bordado e com rendas
De velhas mitologias,
Do pescoço até aos pés;
Mas os asnos mo roubaram,
Usaram-no aos olhos do mundo,
Como se o tivessem feito.
Poesia, deixa-os usá-lo,
Pois que há muito mais coragem
Em passear-se em pelota.
Tradução de Jorge de Sena
A Leitura
Meus olhos resgatam o que está preso na página: o branco do branco e o preto do preto.
Ben Ammar
Ben Ammar
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