sábado, 27 de agosto de 2016

A indiferença e o amar dos tímidos


Volta à escrita como a criança
dá-lhe a mão a cada palavra
é uma oração que te revela
ponte suspensa na respiração
de passagem de uma vida
vegetando na tua margem
corrente que te leva e traz
uma espécie íntima de música
na penumbra de secreta solidão
descansa sob a abóbada da paz
cercada do eco das tuas palavras
enquanto as suas amordaçadas
são apenas olhares gumes
abrindo feridas no muro da espera
e o seu silêncio é cálice de veneno
reservado à sua morte diária
ou à alma cruel da sua dissidência.
Lisboa,13 de Agosto de 2016
Carlos Vieira


"O cinema é isto: sombras e luzes e seres humanos aflitos no meio" João Botelho

"O mundo foi destruído em nome do entretenimento e de uma imagem pessoal do meu e do meu e do meu. As pessoas não querem ver as obras: querem ver-se ao pé das obras."

http://www.dn.pt/portugal/entrevista/interior/o-cinema-e-isto-sombras-e-luzes-e-seres-humanos-aflitos-no-meio-5336613.html



"Caminha sem descanso pela cidade de Lisboa mas também em todos os sítios por onde trabalha. Não é uma coincidência: parte hoje para um périplo asiático, preparando a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto" DN

País de fogo e cinzas


Hoje
o fogo
devora
a substância
vegetal
no coração
de um tempo
ancestral
que é também
nosso
amanhã
toda
uma vida
caberá
na sua mão
que é nossa
amanhã
vamos
de olhar
embargado
erguermo-nos
das cinzas
para reacender
o sonho
e esquecer
a raiva
a dor
que nos tolhe
e seremos
apenas
o ardor
do futuro.
Lisboa, 11 de Agosto de 2016
Carlos Vieira


Fragmentos de uma cadeira de balouço


No baú da memória
e do futuro
revejo-te sentada 
no velho cadeirão de cerejeira
fustigada de reflexos
a tua nudez iluminada
debaixo do castanheiro
só tu podes pressentir
a navegação
dos ouriços dourados
no ribeiro
e o peso do silêncio
na sinfonia
que compões
que tens de ouvido
que te sopra a brisa
acrescentas-lhe
o resfolegar
no canavial
do amor escondido
um frémito antigo
de medo animal
vais pelo que te resta
da memória abaixo
num serpenteado gorgolejar
em gargalhadas e festa
de águas e de sentidos
a preencherem
as aceradas reentrâncias
de desejo
uma volúpia
de seixos e de espinhos
sobreposto
pode ouvir-se
o ritmo sincopado
do balouçar da cadeira
tão desconjuntada
na intermitência
da ternura
e na já distante
subtileza
de um murmúrio
as falas de amar
acompanhadas
de surpreendentes gestos
tão sublimados
de trevas
e de violência
numa rasgada urgência
amortalhados
em almofadas
e tardes de bordados
na frescura dos lençóis
pode ouvir-se ainda
o canto solícito
um festivo pestanejar
e o rumor do teu corpo
em guerra com o inacessível
a que se seguia
o esgar
e o irromper em voo de um grito
de um pássaro atónito
de prazer
perante o dardejar ao sol
e à chuva
a inclemência de um amor
destemperado.
Lisboa, 5 de Julho de 2016
Carlos Vieira


Leonard Cohen

LEONARD COHEN
"Chegámos a um tempo em que somos tão velhos que os nossos corpos se desfazem; penso que serei o próximo, dentro em pouco. Quero que saibas que estou tão próximo de ti que, se estenderes a mão, talvez possas tocar a minha. Sabes que sempre amei a tua beleza e sabedoria, mas não preciso de discorrer sobre isso porque já sabes de tudo perfeitamente. Quero apenas desejar-te boa viagem. Adeus, velha amiga. Todo o amor, encontramo-nos no caminho.”

https://www.theguardian.com/commentisfree/2016/aug/08/leonard-cohen-letter-to-marianne-ihlen-was-poetic-and-candid?CMP=share_btn_fb


Nick Cave & The Bad Seeds - 'Skeleton Tree' / 'One More Time With Feeling' Official Trailer

"No trailer de apresentação do álbum, sobre esparsas notas de piano e o som assombrado do violino tocado por Warren Ellis, Cave dirá, depois das frases citadas no início deste texto: “O que acontece quando se dum acontecimento tão catastrófico(a morte de um filho com 15 anos) é que te transformas. Mudas da pessoa que conheces para um desconhecido. Quando te olhas ao espelho, reconheces a pessoa que eras, mas a pessoa por baixo da pele é diferente."


Dersu Uzala Arika Kurosawa