segunda-feira, 8 de setembro de 2014

O sol apanha os meus pés...

O sol apenas apanha os meus pés
que me levaram para a sombra
talvez um dia eu tenha um lugar ao sol
e regresse ao desassombro
dos dias
em que o meu olhar
beijava a tua nudez
de pés descalços.

Lisboa, 8 de Setembro de 2014

Carlos Vieira 

Ruídos de uma delicada burocracia



Oiço agora troçar
os pinheiro alpinos
insones
com seus rumores de prata,
neste fim de estação
vão-se despenhando
as flores etéreas
de um vago jardim
e os pássaros
com seus voos
de curto alcance
vão adiando a loucura,
são todos unânimes
contra os requerimentos
que vou alinhavando,
neste ofício
em que sou canhestro
manga de alpaca,
desesperado
entre o passado e o futuro
tantas vezes apátrida
do presente.

Lisboa, 8 de Setembro de 2014
Carlos Vieira


                                                     “Bureaucrat” de autor desconhecido

sábado, 6 de setembro de 2014

a voracidade do tempo


ali estava 
meu pai exausto
debaixo da macieira
dos antigos frutos
sem calibre

já todos desapareceram
na voragem
do tempo
e dos mercados

torna-se difícil
o restauro 
desta imagem
um pouco tremida
que a ferrugem
corroeu
e agora se dilui 
numa memória 
um pouco embargada

impossível
voltar
ao sabor das maçãs
não quero falar
das tuas mãos

Lisboa, 6 de Setembro de 2014
Caros Vieira




                                                           Pintura de Gustav Klimt

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Pálpebra e pétala e pluma...

Pálpebra e pétala e pluma
palavras que repousam
ao de leve
sobre o presente
precário
passageiro.

Lisboa, 5 de Setembro de 2014

Carlos Vieira

Lembra-se de saltar da janela...

Lembra-se
de saltar da janela
do tempo
da sua casa
para a noite
do mundo
não fora o vento
a bater da janela
entreaberta
e a mãe dormiria
ainda
e ele seria apenas
mais um sonho
no seu sono profundo.

Lisboa, 5 de Setembro de 2014
Carlos Vieira


A bola...

A bola
passou a estrada
eu travei a tempo
o menino veio atrás
agora continua
a correr feliz
intrépido em direção
ao futuro
enquanto
respiro fundo.

Lisboa, 5 de Setembro de 2014
Carlos Vieira


Mulher num final de tarde em Setembro



Vulnerável
penetraste no bosque usurário da tua luz
mulher peculiar
princesa selvagem
que coroei
em todas as minhas brumas

o zénite 
foi a oratória
dos teus seios túrgidos
quando virado ao sabor da brisa
fiquei preso no vórtice dos perfumes 
não sei se no teu ritual de sedução 
ou na alquimia 
dos teus unguentos 

espreito 
como um delinquente
quando te debates
na trama de espuma do teu banho
e traço num meridiano de astúcia
a toalha macia do olhar 
com que te envolvo

a noite 
está para lá 
da soberba sensualidade 
do teu torso imergente 
o bisel do meu desejo
não me dá tréguas

à senoite 
só a glosa refulgente
da tua mímica
insaciável
poderá servir de álibi
a que possa 
imolar-se o silêncio
depois de ti
da tua injusta beleza
nada me fará
calar.

Lisboa, 5 de Setembro de 2014
Carlos Vieira


“The black woman walk so lonely” por Roberto Duran