terça-feira, 10 de julho de 2012

Pequena história de um Reino cercado pelo nevoeiro e de um cavalo branco




Da névoa se libertou o cavalo branco, desferiu coices de espanto na romântica paisagem,

cuspiu da garupa o príncipe, a donzela, a aia, acorreu a soldadesca e toda a criadagem,

ali estava caído por terra o futuro do Reino, arrastou-se a real família pela fria realidade

da lama.



Não foi um golpe de Estado, foi apenas um acidente, felizmente sem consequências, mas

naquele dia, no  palácio foi o assunto do dia, foi até emanado um clarividente decreto que

 proclamava que nas próximas montarias, não se iria mais arriscar, em tempo de bruma com o

 tão irrascível cavalo  branco, não se poderia ser tão temerário com a rédea que se lhe dava.



Constatou-se no entanto, após aquela queda, que o príncipe passou a saber o que era tomar

banho, a princesa já deixou de ressonar e os criados recuperaram a fala, subiu o grau de

 prontidão dos militares.



Nos jardins do palácio pode agora passear o cavalo branco, beber de um trago toda a água do

lago, trás uma rosa atrás da orelha, olha-se ao espelho, salta os obstáculos da realeza para

realidade e vice-versa, foi nomeado herói nacional pelo relevante serviço prestado à Nação,

podendo a partir de agora,  usufruir o direito vitalício a usar o freio nos dentes.



Lisboa, 10 de Julho de 2012

Carlos Vieira



                                                  “Hedgehog in the fog” por Yuriy Norshteyn

Pau de fósforo


pau de fósforo

mínima parcela do pinhal

que acenou seu verde gesto

sobre o horizonte azul-cobalto

onde se festeja a melancolia do sal

de que o vento pouco a pouco se despediu

e escondeu o ninho e sustentou o primeiro voo

sucumbiu na queda da árvore e viu à luz fluorescente

da fábrica erguer-se a lâmina que cerce lhe desenhou seu futuro

e moldou a vermelha substância que um dia se acendeu em flor efémera

depois do desesperado cigarro foi o sopro e a pirueta pelos ares impulsionado

última memória antes da vida espezinhada e agora subitamente uma piedosa mão

lhe deu o destino de travar a janela permitindo à brisa fresca reconhecer naquele corpo

o perfume do pinho verde e a resina que de si brota ténue rastilho que a enlouquece apenas

de espreitar as sombras que se apagam na placidez do parque atormentando a carne do Verão



Lisboa, 9 de Julho de 2012

Carlos Vieira


domingo, 8 de julho de 2012

Tomasz Stanko : Lontano I

Your Heart Is As Black As Night - Melody Gardot

Love Ballade - Oscar Peterson & Ulf Wakenius & Niels-Henning Ørsted Pedersen & Martin Drew

"I have great faith in fools; self-confidence my fiends call it;"

Edgar Allan Poe

Viagem de circum navegação



Eis-me aqui ao leme no meio do turbilhão do nosso desejo

Sulcando teu corpo sendo toda a Terra és tudo o que vejo

Teus dentes brancos na crista da onda no peito me devoram

Enquanto lentamente te atravesso tuas profundas entranhas

As unhas cravadas nos meus ombros toda a razão dilaceram

Tendo-te à mercê sem nunca te entregares me acompanhas

Mesmo quando a tua agitada tempestade mais me atormenta

Sigo no teu rumo e querendo-me salvar em ti fico perdido

Minha alma em chamas a tua carne doce de coral sustenta

Fujo do olho do furacão e se mais longe de ti mais desmedido

Mais cego do amor que desce na vaga e se torna mais fecundo

Nesta expedição em que para fugir de ti fui ao encontro da dor

Erro no labirinto cósmico do teu corpo pois não há mistério maior

Que o de olhar-te nos teus olhos e entrando em ti escutar o mundo



Lisboa, 8 de Julho de 2012

Carlos Vieira