terça-feira, 26 de maio de 2015
A ausência da tua palavra
Sofia de Mello Breyner Andresen
Oiço apenas o ressoar do teu silêncio que avança para mim e a minha vida apenas toca a franja límpida da tua ausência.
A ausência da tua palavra
De volta
para as palavras
como quem regressa
à longínqua casa da infância
onde adquiriam
o peso dos pássaros.
Palavras
que descem à terra
no voo rasante
dos olhares
das carícias
e dos compromissos.
Garatujar
no plano inclinado
em busca do gesto subtil
da escrita inicial
epidérmica
as palavras.
Oiço-as
para além
do roçagar do aparo
a navegar
no tremeluzir
de um corpo
intenso
de um amor primeiro.
Palavras
que nos escapam
dos lábios
no momento crucial
em que perderam
o coração.
Palavras
como espinhos
escondidos
na sombra fresca
do perfume das rosas
numa ânsia de sangue
e no êxtase
dos secretos recantos
do teu corpo.
Palavras
pássaros atónitos de luz
na nascente
da ilusão de um oásis
que sacia toda a sede
e lava o leito
já seco das lágrimas
e do sémen.
Palavras
para reinventar o silêncio
e ceder às tentações
toldadas
pela erosão do tempo
e impaciência.
Palavras
que no artifício da carta
e do sentimento
se foram apagando.
Os resíduos da tinta
permanecem
conjugam ainda o verbo
de um amor
que dizem
foi único.
Recolho
o perfume
e a áurea do suor
as impressões digitais
onde te reconheço
a olho nu.
Boquiaberto
fico sem palavras
para reconstruir
a intermitência
da tua ausência.
Lisboa, 26 de Maio de 2015
Carlos Vieira
segunda-feira, 30 de março de 2015
Pequeno apontamento para uma nuvem sem história
Nuvem
barco do nada
pensamento de algodão em rama
ancorada
na árvore do silêncio à sua beira
negando-lhe a comoção
e a profundidade
do azul límpido do céu
almofada
está ali ao de leve
e derradeira
nos seus cuidados paliativos
até ouvir serenar a respiração
e até ao sossego
dos domésticos utensílios
uma mão invisível pode empurrá-la
para longe
sem esforço
pode tornar-se numa gaiola de pássaros
coabitando
com estrelas indolores
ou pode desfazer-se em aguaceiros
e dar mais sentido
ao seu olhar húmido e nublado
e a água que corre
pelas rugas do seu rosto molhado
ser um delta agridoce de sentimentos
e ocasional alquimia
de gosto.
barco do nada
pensamento de algodão em rama
ancorada
na árvore do silêncio à sua beira
negando-lhe a comoção
e a profundidade
do azul límpido do céu
almofada
está ali ao de leve
e derradeira
nos seus cuidados paliativos
até ouvir serenar a respiração
e até ao sossego
dos domésticos utensílios
uma mão invisível pode empurrá-la
para longe
sem esforço
pode tornar-se numa gaiola de pássaros
coabitando
com estrelas indolores
ou pode desfazer-se em aguaceiros
e dar mais sentido
ao seu olhar húmido e nublado
e a água que corre
pelas rugas do seu rosto molhado
ser um delta agridoce de sentimentos
e ocasional alquimia
de gosto.
domingo, 29 de março de 2015
Pássaros sem explicação
Reabre a ferida
ave exangue
que abre
em leque
a cauda primaveril
deixa um rasto
de sangue
no itinerário
de fuga
da solidão.
ave exangue
que abre
em leque
a cauda primaveril
deixa um rasto
de sangue
no itinerário
de fuga
da solidão.
Bate as asas
prepara-se
para outros voos
nas plumas
acendem-se reflexos
de uma nova
madrugada.
prepara-se
para outros voos
nas plumas
acendem-se reflexos
de uma nova
madrugada.
Dormem
as aves pernaltas
sobre um pé
e fazem-lhe o ninho
debaixo de asa
reféns
de um precário
equilíbrio.
as aves pernaltas
sobre um pé
e fazem-lhe o ninho
debaixo de asa
reféns
de um precário
equilíbrio.
No seu canto
noctívago
perpassa
o estrépito
da insónia
a rodeá-las
o incêndio
de um lago.
noctívago
perpassa
o estrépito
da insónia
a rodeá-las
o incêndio
de um lago.
Voa
por entre
as nuvens
e o espanto
das estrelas.
por entre
as nuvens
e o espanto
das estrelas.
Penas
são reticências
que pairam
depois do sopro
na ênfase de um beijo
sobre a ausência
do teu rosto.
são reticências
que pairam
depois do sopro
na ênfase de um beijo
sobre a ausência
do teu rosto.
Lisboa, 24 de Março de 2015
Carlos Vieira
Carlos Vieira
Já se ouve...
já se ouve o caruncho
esse acústico rumor
por dentro das tábuas
que nos envolvem
na solidão definitiva
esse acústico rumor
por dentro das tábuas
que nos envolvem
na solidão definitiva
Lisboa, 25 de Março de 2015
Carlos Vieira
Carlos Vieira
Um pensamento de translação
Fui buscar a miúda
mais nova à ginástica
eram 21h30 da noite
subimos o acesso
do estádio em caracol
aguardámos
o verde do semáforo
eu estava a morrer de fome
a Matilde comentou
“Pai, gosto muito da lua!”
olhei para o céu
ali estava o satélite natural
da Terra
em quarto minguante
eu fiquei radiante
das observação
da agilidade das palavras
do sinal que me fez parar
de toda aquela
translação!
mais nova à ginástica
eram 21h30 da noite
subimos o acesso
do estádio em caracol
aguardámos
o verde do semáforo
eu estava a morrer de fome
a Matilde comentou
“Pai, gosto muito da lua!”
olhei para o céu
ali estava o satélite natural
da Terra
em quarto minguante
eu fiquei radiante
das observação
da agilidade das palavras
do sinal que me fez parar
de toda aquela
translação!
quarta-feira, 25 de março de 2015
Pássaros sem explicação
Reabre a ferida
ave exangue
que abre
em leque
a cauda primaveril
deixa um rasto
de sangue
no itinerário
de fuga
da solidão.
Bate as asas
preparasse
para outros voos
nas plumas
acendem-se reflexos
de uma nova
madrugada.
Dormem
as aves pernaltas
sobre um pé
e fazem-lhe o ninho
debaixo de asa
reféns
de um precário
equilíbrio.
No seu canto
noctívago
perpassa
o estrépido
da insónia
a rodeá-las
o incêndio
de um lago.
Voa
por entre
as nuvens
e o espanto
das estrelas.
Penas
são reticências
que pairam
depois do sopro
na ênfase de um beijo
sobre a ausência
do teu rosto.
Lisboa, 24 de Março de 2015
Carlos Vieira
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