segunda-feira, 30 de março de 2015

Pequeno apontamento para uma nuvem sem história


Nuvem
barco do nada
pensamento de algodão em rama
ancorada
na árvore do silêncio à sua beira
negando-lhe a comoção
e a profundidade
do azul límpido do céu
almofada
está ali ao de leve
e derradeira
nos seus cuidados paliativos
até ouvir serenar a respiração
e até ao sossego
dos domésticos utensílios
uma mão invisível pode empurrá-la
para longe
sem esforço
pode tornar-se numa gaiola de pássaros
coabitando
com estrelas indolores
ou pode desfazer-se em aguaceiros
e dar mais sentido
ao seu olhar húmido e nublado
e a água que corre
pelas rugas do seu rosto molhado
ser um delta agridoce de sentimentos
e ocasional alquimia
de gosto.
Lisboa, 30 de Março de 2015
Carlos Vieira


Fotografia de autor desconhecido

domingo, 29 de março de 2015

Eduardo Galeano - Vivir sin Miedo

Pássaros sem explicação


Reabre a ferida
ave exangue
que abre 
em leque
a cauda primaveril
deixa um rasto
de sangue
no itinerário
de fuga
da solidão.
Bate as asas
prepara-se
para outros voos
nas plumas
acendem-se reflexos
de uma nova
madrugada.
Dormem
as aves pernaltas
sobre um pé
e fazem-lhe o ninho
debaixo de asa
reféns
de um precário
equilíbrio.
No seu canto
noctívago
perpassa
o estrépito
da insónia
a rodeá-las
o incêndio
de um lago.
Voa
por entre
as nuvens
e o espanto
das estrelas.
Penas
são reticências
que pairam
depois do sopro
na ênfase de um beijo
sobre a ausência
do teu rosto.
Lisboa, 24 de Março de 2015
Carlos Vieira

Já se ouve...

já se ouve o caruncho
esse acústico rumor
por dentro das tábuas
que nos envolvem
na solidão definitiva
Lisboa, 25 de Março de 2015
Carlos Vieira

Um pensamento de translação


Fui buscar a miúda
mais nova à ginástica
eram 21h30 da noite
subimos o acesso
do estádio em caracol
aguardámos
o verde do semáforo
eu estava a morrer de fome
a Matilde comentou
“Pai, gosto muito da lua!”
olhei para o céu
ali estava o satélite natural
da Terra
em quarto minguante
eu fiquei radiante
das observação
da agilidade das palavras
do sinal que me fez parar
de toda aquela
translação!
Lisboa, 25 de Março de 2015
Carlos Vieira


quarta-feira, 25 de março de 2015

Pássaros sem explicação



Reabre a ferida
ave exangue
que abre 
em leque
a cauda primaveril
deixa um rasto
de sangue
no itinerário
de fuga
da solidão.

Bate as asas
preparasse 
para outros voos
nas plumas
acendem-se reflexos
de uma nova
madrugada.

Dormem
as aves pernaltas
sobre um pé
e fazem-lhe o ninho
debaixo de asa
reféns
de um precário
equilíbrio.

No seu canto 
noctívago
perpassa
o estrépido 
da insónia
a rodeá-las
o incêndio
de um lago.

Voa
por entre 
as nuvens
e o espanto 
das estrelas.

Penas
são reticências
que pairam
depois do sopro 
na ênfase de um beijo
sobre a ausência
do teu rosto.

Lisboa, 24 de Março de 2015

Carlos Vieira

sexta-feira, 20 de março de 2015

Mais do que o sorriso

O teu sorriso
a coroar teus lábios
envolvendo o  infinito
marfim dos teus dentes
a sobrevoar a avidez da pele
na sofreguidão dos mistérios
que vais desbravando o olhar
intercalado no sufoco da espera
os remoinhos na véspera do desejo
pássaros  pelo ar soltando-se do corpo
a desabrochar no vértice do teu sorriso
 depois da demente convulsão um sereno
regresso do pensamento a que te entregas
tão silenciosamente  como se tivesse a chegar
a Primavera.

Lisboa, 19 de Março de 2015
Carlos Vieira

https://www.youtube.com/watch?v=YXuB6md9zPk