domingo, 28 de fevereiro de 2016

Brincadeira I



Lembras-te
havia a grande macieira
de maças camoesas
entre as nossa casas
naquela penumbra
perfumada
descobrir um ninho
era mais que o sonho
do qual desperto agora
repentinamente
oiço outra vez
a estridente roldana
com que içavamos
o balde de zinco
os rostos
afogueados da brincadeira
refletidos na água fresca
que matava a sede
e a mágoa
de uma vida inteira.

Batalha, 28 de Janeiro de 2016
Carlos Vieira



Gustav Klimt - Macieira

Entre a madeira e o tempo

Entre a madeira e o tempo
silenciosamente o caruncho
deixa a serradura da poesia.
Lisboa, 26 de Janeiro de 2016
Carlos Vieira

Aprisionei a TV...

aprisionei a tv
num móvel chinês
um dragão adormecido
Lisboa, 27 de Janeiro de 2016
Carlos Vieira

a minha marquise

a minha marquise
é um realejo
de luz
Lisboa, 27 de Janeiro de 2016
Carlos Vieira

outra vez sem vida me sinto ...

outra vez sem vida me sinto
de bronze de sino
a repercutir a morte
Lisboa, 27 de janeiro de 2016
Carlos Vieira

Desterrado, digo refugiado no Reino da Dinamarca


Senta-se
no Outono
no barco banco 
de verde tábua
cai a folha de ouro
que agora flutua
no seu olhar
de estátua
de azul
embargado
peixe de aquário
fora de água
refém do abismo
em julgamento
sumário
foi condenado
por perjúrio
e desmascarado
pelo verdete
das sereias.
Lisboa, 26 de Janeiro de 2016
Carlos Vieira

O Desterrado, Soares dos Reis

Por um fio



Sento-me na sinuosa
muralha da marginal
sucede-se um e outro
automóvel tardio
a resfolegar na noite
a soletrar o vazio
e o círculo vegetal
do alucinado farol
o marulhar das ondas
a lua é isco no anzol
um imperceptível rumor
na bóia sob a espuma
da solidão no infinito
bailado de um robalo
triste atraiçoado
no diáfono interlúdio
do quarto crescente
de um dividido coração
que o fio de linha ténue
pendura num simulacro
a que chamam vida
ou teatro de fantoches.

LISBOA, 25 de Janeiro de 2016

Carlos Vieira

Imagem de autor desconhecido