Regressas
ao local do crime
aos teus aposentos
á grande altura do pé direito
e à consonância
de uma tarde de Outono
à contemplação
da ausência
depois do tule
dos cortinados
onde te destruíste
de tanto amares
em silêncio
regressas
a essa obscura antecâmara
da morte
em que foste autor
inevitável
vitima colateral
de um amor maior
porque de boas intensões
está o Inferno cheio
és o principal suspeito
no mínimo por instigação
por exposição ao abandono
regressas
para teu sossego
após prescrição
ao impossível julgamento
e inútil punição
verificas o móbil
o refúgio
da sua religiosidade
não tens medo
diga-se
em abono da verdade
que também
não tens coragem
apercebes-te ainda
dos vestígios subtis
dos detalhes
que escaparam
à minúcia proficiente
do investigador
fazes a reconstituição
buscas a paz
contigo próprio
constatas
da sua impossibilidade
finges-te de morto
vives nessa calma aparente
do inconseguimento
daquele amor
regressas
a todos os casos
de estudo
ás mortes inexplicáveis
aos crimes perfeitos
sabendo que a tua existência
será para sempre
o teu castigo
recordas
das palavras repetidas
implorando
em sofrimento
tantas vezes
aquela última visão
das mãos lívidas
da perda
da gerandeza
no piedosos momento
em que cedeste
e te abandonaste
ao gesto fatal
enquanto tresloucado
na gaiola
do teu peito
um pássaro a esvoaçar
recordas
o eco dos teus passos
apressados
que fugiam
desesperadamente
às garras
de um silêncio opaco
definitivo
sem culpa
e sem expiação.
Lisboa, 25 de Setembro de 2015
Carlos Vieira