o tráfego prossegue
aos repelões
com um fingimento
da pressa
de quem
não vai a nenhum lado
nas suas inesperadas
pulsões
nestas alturas
é de bom tom
enaltecer
os cínicos do planeamento
tu ficas por aqui
nesse êxtase
nesta estupefação
perante a voracidade
do caos
e o desemprego
de longa duração
no crepúsculo
já há muito desistiu
um pássaro
num equilíbrio efémero
eléctrico
no fio
de onde caiu
de pedra
e agora o seu canto
é de arestas
afiadas
nas orquestras
de vento
e o seu voo
a prolongada raiva
da tua mão
pedra ou ave
tu és a minha ferida
aberta no tempo
e quem não pecou que atire a primeira pedra
Lisboa, 11 de Dezembro de 2012
Carlos Vieira
Joan Miró
"Personagem atirando uma pedra a um pássaro"
1926
Óleo sobre tela, 73x92 cm
The Museum of Modern Art, Nova Iorque