domingo, 23 de novembro de 2014

Estratégia de aranha I






Entre mim e a rua
há duas ou três flores interiores
com quem nunca troquei palavra
uma delas é artificial
sem alma 
e está sempre nua
descobri há pouco tempo
não lhe sei o nome
de qualquer forma 
este é muito redutor
na lateral da grande janela
da sala
no exterior
como se fossem escorraçadas
mais algumas flores
a minha ousadia é lançar
o fio do olhar
que atravessa a rua
e do outro lado
outros jardins interiores
a mesma indiferença
e anonimato
a aranha furtiva
tece por dentro de mim
um poema de noite e de sol
onde alguém tropece.

Lisboa, 23 de Novembro de 2014
Carlos Vieira


segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O meu cavalo baio contra a solidão I



Ali estavas
na tua velha casa
sem os lustres doutros tempos
quase em ruínas
dali vislumbras
as árvores de pequeno porte
cabeleiras desgrenhadas
loucas e esparsas 
pela campina
que o crepúsculo e a névoa
tingiu de pratas e ouros
a acentuar
o azeviche dos touros
contíguos aquela quietude 
e à sua solidão
e ao seu cavalo baio 
no cercado
desfere coices no vazio
e desmente-lhe diáriamente 
o abandono
quando salta pela janela
entra na sala
e lhe vai comer à mão
saliente-se-lhe o cuidado
de deixar os móveis
incólumes.

Lisboa, 17 de Novembro de 2014
Carlos Vieira


sábado, 15 de novembro de 2014

Duke Ellington e Haruki Marukami



"Já não sei de nada - confessei. - Sei que não me quero separar de ti. Ao mesmo tempo, contudo, não se se é essa a resposta correcta. Nem sequer tenho a certeza de conseguir escolher. Escuta, Yukiko, tu estás aqui. E sofres, bem vejo. Sinto o calor da tua mão. Existem, porém, coisas que não se podem ver nem sentir. Como, por exemplo, as emoções. Ou as possibilidades. Coisas que aparecem vindas do nada e se entrelaçam umas às outras. E vivem dentro de mim."



"A sul da fronteira, a oeste do sol", de Haruki Murakami


Duke Ellington e Haruki Marukami



"Já não sei de nada - confessei. - Sei que não me quero separar de ti. Ao mesmo tempo, contudo, não se se é essa a resposta correcta. Nem sequer tenho a certeza de conseguir escolher. Escuta, Yukiko, tu estás aqui. E sofres, bem vejo. Sinto o calor da tua mão. Existem, porém, coisas que não se podem ver nem sentir. Como, por exemplo, as emoções. Ou as possibilidades. Coisas que aparecem vindas do nada e se entrelaçam umas às outras. E vivem dentro de mim."



"A sul da fronteira, a oeste do sol", de Haruki Murakami


Soldo...

soldo 
as palavras
com cuspo
e atiro-as
à cara
dos traidores

Lisboa, 14 de Novembro de 2014

Carlos Vieira

O ferro a vapor...

O ferro a vapor
a vincar
o colarinho
depois desliza
pelo tecido
restante
a seguir
demora-me
no teu olhar
e despertas
com o cheiro
a queimado
da camisa
no peitilho
ao nível
do coração.

Lisboa, 14 de Novembro de 2014

Carlos Vieira

Nada na manga...

Nada
na manga
nada no colarinho
sem truques
de esquerda baixa
tudo jogo limpo
sem cartas marcadas
usando apenas a ilusão
da luz velada 
e de asa de sombra
da força excessiva
que te torna frágil
e da preciosidade
imaterial
dos interesses
que nos desconcerta
caleidoscópio de imagens
de encantantatórios
afectos
que nos invadem 
e moldam o espírito
e que por vezes
nos atrevemos
a chamar poesia.

Lisboa, 14 de Novembro de 2014

Carlos Vieira