Tirando a bissectriz aos voos côncavos das andorinhas, estávamos no ano da graça de 1971, dias de Abril, segunda-feira.
O guarda do mosteiro, familiar de um colega cujo nome esqueci, pegava naquele molho de chaves e parecia ir conduzir-nos às catacumbas, aos calabouços e mostrar-nos inimagináveis monstros mas não, recordo-me como se fosse hoje, dirigimo-nos a uma torre que se erguia, a partir dos jardins dos claustros.
Éramos um bando de garotos no intervalo das aulas com esse conhecimento privilegiado, subimos uma íngreme, apertada e comprida escada em caracol, resfolegávamos de excitação, pois qualquer sítio a cinco palmos de chão naquela idade, era mais um nível, antes do paraíso.
Eis senão quando, a enorme chave nas mãos espadaúdas do guarda abriu sobre um chiar de gonzos e foi um deslumbramento de calcário, de terraços, um jardim de pináculos e de torres, de bocarras das carrancas e uma imensa filigrana de pedra, apenas para deleite de deuses e parentes que como nós, ali podíamos agora aceder.
Naquela tarde, ali nos deliciámos a jogar às escondidas, enquanto os comuns mortais, se desfaziam em argumentos e trejeitos no bulício do mercado.
Lisboa, 28 de Setembro de 2014
Carlos Vieira