segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Libélula



Ali estava caída
no cimento
no difícil equilíbrio
do momento.

De renda
de asa ferida
libélula exausta
exibe
seu verde vibrante
e seu anel
de eléctrico azul.

Reergue-se
após ter insistindo
incessante
contra o espelho
no lado errado
da janela aberta
no lado negro
da lua.

Em esforço
desamparada
jaz na rua
e das suas frágeis
antenas
asas e hastes
faz a força
e volta inglória
à mesma luta.

Lisboa, 29 de Setembro de 2014
Carlos Vieira


domingo, 28 de setembro de 2014

Páginas da escola da vida preparatória II




Tirando a bissectriz aos voos côncavos das andorinhas, estávamos no ano da graça de 1971, dias de Abril, segunda-feira.

O guarda do mosteiro, familiar de um colega cujo nome esqueci, pegava naquele molho de chaves e parecia ir conduzir-nos às catacumbas, aos calabouços e mostrar-nos inimagináveis monstros mas não, recordo-me como se fosse hoje, dirigimo-nos a uma torre que se erguia, a partir dos jardins dos claustros.

Éramos um bando de garotos no intervalo das aulas com esse conhecimento privilegiado, subimos uma íngreme, apertada e comprida escada em caracol, resfolegávamos de excitação, pois qualquer sítio a cinco palmos de chão naquela idade, era mais um nível, antes do paraíso.

Eis senão quando, a enorme chave nas mãos espadaúdas do guarda abriu sobre um chiar de gonzos e foi um deslumbramento de calcário, de terraços, um jardim de pináculos e de torres, de bocarras das carrancas e uma imensa filigrana de pedra, apenas para deleite de deuses e parentes que como nós, ali podíamos agora aceder.

Naquela tarde, ali nos deliciámos a jogar às escondidas, enquanto os comuns mortais, se desfaziam em argumentos e trejeitos no bulício do mercado.

Lisboa, 28 de Setembro de 2014
Carlos Vieira

Dia após dia...

Dia após dia
faço mais um risco no poema
confio em afinar a pontaria
do encontro doloroso
com a palavra certa
e afirmar
a partir destes cinquenta e cinco
que estarei a mais de meio da pena.

Lisboa, 28 de Setembro de 2014

Carlos Vieira

sábado, 27 de setembro de 2014

Páginas da escola de vida preparatória I


Todas as semanas, descia da escola do Ciclo, tinha de ir visitar o soldado desconhecido, esgueirava-me até ao Mosteiro e admirava, demoradamente, a abóbada de Afonso Domingos, pelo contraforte do olhar, via os dois soldados, em sentido, prestes a rebentar. Estremeci daquela visão, capaz de me fulminar, deixei a obra do Mestre que também revisitava e pus-me ao fresco.

Batalha, 14 de Setembro de 2014

Carlos Vieira

O poeta...

O poeta
é um agente provocador
que na sua poética missão
vive fingindo a dor
o síndrome de Estocolmo.

Lisboa, 27 de Setembro de 2014

Carlos Vieira

Equilíbrio precário



A destreza da atleta
sobre a trave olímpica
o seu movimento peculiar
depois ampara
o céu com o seu olhar
de estrela inamovível
e perturbada.

Pode sempre acontecer
um imperceptível
desequilíbrio
e que este a desvie
para bondade
que lhe pede o seu gesto
para longe
da nota artística.

Leio no seu rosto
um poema que aspira
a madrugada
uma ave que bate as asas
para iniciar o voo
a distância e a altura
inverosímil.

Um incêndio
consome-lhe o coração
e aquela destreza
de movimentos
tem uma única explicação
não encontra a calma
para as palavras
que dêem a expressão
e a ponte acrobática
ao dilema
que lhe dilacera a alma.

Lisboa, 27 de Setembro de 2014
Caros Vieira

Nadia Comaneci 1976

Suspiros...

Suspiros
ecoam pelas alcovas
quebram-se juras e silêncios
sublinham na penumbra
a dessidência dos destinos
apelos lânguidos da carne
o despertar das tempestades.
Lisboa, 27 de Setembro de 2014
Carlos Vieira