sábado, 27 de setembro de 2014

Oiço nos baldios...

Oiço nos baldios
da minha alma 
guizos e chocalhos
e a este bucólico
desassossego
estão de volta
os mesmos demónios
animais mansos
e fantasmas ancestrais.

Lisboa, 27 de Setembro de 2014

Carlos Vieira

Este búzio...

Este búzio
a meus pés
a repetir a ladainha
das ondas e procissões
ecoa preces
no limite do desespero
e das marés.

Lisboa, 27 de Setembro de 2014

Carlos Vieira 

Este murmúrio...

este murmúrio
que persiste
no adeus de folhas ressequidas
este triste serpentear
de um regato
a trautearem o efémero
um prenúncio
de Outono

Lisboa, 27 de Setembro de 2014


Carlos Vieira

Palavras afiadas



Confesso-vos
que tenho uma inexplicável
afeição pela palavra
lâmina
nomeadamente
se forem de dois gumes
da sua competência
de penetrar
na substância.


Não que nutra
reverência
seja para mim
um especial fetiche
ou que subsista
medo ancestral
por facas ou faquires.

Não tenho
um ódio visceral
a quem esconde
o punhal sub-reptício
na ilharga da penumbra.

Nem me assola
qualquer memória
de antro ou cave ou beco
de faca na liga
ou  coriscante centelha
da navalha cigana
de Lorca.

A minha mão nervosa
ou a minha circunstância
nebulosa
podiam até invejar
o extirpar cirúrgico
do bisturi
não são
na minha óptica
causa suficiente.

Tenho ainda
a mesma aversão
que qualquer mortal
às baionetas caladas
das guerras surdas.

Não digo porém
que não me inspira
particular ternura
este amolador
que irrompeu e feriu
a madrugada
da cidades adormecida
e com seu realejo
reabriu cicatrizes
que há muito
julgava curadas
e esquecidas
nas brincadeiras de criança.

Infância
essa ponta e mola
que salta inoxidável
para nos defender
da intolerância
dos tempos.

Esse canivete suíço
com que descascámos
os frutos
aparávamos
o conhecimento.

Nas papilas
da palma da mão
podemos encontrar
na confluência dos deltas
o gume das lâminas
das unhas e de palavras
afiadas
que acompanhavam
até à eternidade
juramentos
de sangue e de amor
e pequenos golpes
e incidentes.

Lisboa, 27 de Setembro de 2014
Carlos Vieira





sexta-feira, 26 de setembro de 2014

De tanto olhar o firmamento ganhei asas


Estarei velho
deixei de contar as estrelas
as mais distantes 
já não as enxergo
invejo-lhe a incansável
intensidade
não existem
estrelas decadentes
só buracos negros
abertos no espaço sideral
e constelações que assistem
impotentes
as exéquias das partidas
das ausências
ao silenciar da luz
estarei velho
tornou-se
mais difícil carregar
este memorial
este céu
para consumo interno
onde continuam
tantas estrelas
desaparecidas
e ao mesmo tempo
cuidar
das supernovas
da minha vida.
Lisboa, 26 de Setembro de 2014
Carlos Vieira

o beijo da vida


a vida é um sortilégio
na eternidade interrompida
pelo teu beijo

Lisboa, 26 de Setembro de 2014

Carlos Vieira


Jean-Leon Jerome "Pigmaleão e Galatea"


Henri Toulouse-Lautrec "O beijo na cama"


"O Beijo" Auguste Rodin


"O Beijo " Gustav Klimt



Man Ray "Rayograph Kiss"


"Dia de Aniversário" Marc Chagall


Constantin Brancusi "O Beijo"


"Os amantes" René Magritte


"O Beijo" Pablo Picasso


"Roy Lichtenstein "Kiss-V"


http://flavorwire.com/149349/the-10-best-art-kisses-of-all-time

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Poema do café da manhã



Peço uma italiana
e um bolo fofo de Belas
sou o único cliente do café
o primeiro talvez
vou dedilhando versos brancos
rimas desencontradas
e metáforas duras de roer
tento libertar-me  da rede tentacular
das palavras que gorjito
instintivamente
 depois
por um sistema de vasos comunicantes
vou alimentar o poema
da linfa das ideias e da ternura
quero fechar
com chave de ouro
deixar um ditirambo
e uns cêntimos de gorjeta.

Lisboa, 25 de Setembro de 2014

Carlos Vieira