domingo, 22 de junho de 2014

O fogo posto de palavras



Toco as palavras
escaldam
incandescentes
espadas
no meio da planície
da batalha
deslembradas
sem sombra por perto 
ou pássaro 
que no seu canto
delas se condoesse
palavras 
que ardem na garganta
e queimam os lábios
arrancadas 
na urgência do coração
pedras lascadas
para a caça
da sobrevivência
afiadas
no cume da solidão
das montanha
palavras cansadas 
do diálogo vazio
antes da cinza
nunca ditas
que iluminam o silêncio
nunca caladas
pelo fogo eterno
de toda a Inquisição
penduradas no poema 
feito de palavras 
na injustiça da pele 
marcada
e em carne viva
sem história
e sem remédio.




um secreto mundo



há muito tempo
que não vejo
um percevejo
ou será 
que vi alguma vez?
se vi não me apercebi
como tantas vezes
acontece
com o discreto
rumor do mundo
do insecto
e na visita cobarde
com seus subterfúgios
de parasita
e todos
os "perce-beijos"
de traidor

Lisboa, 22 de Junho de 2014
Carlos Vieira

sábado, 21 de junho de 2014

miragens



bola de Berlim
com creme
e açúcar
e areia
porque sim
contra o peso 
o delicatessen
e a medida
da higiene
europeia
e um fragmento
de mar 
a conspirar
pelo rabo
do olho
num dia de sol
limpo

Lisboa, 21 de Junho de 2014

Carlos Vieira

Homem matinal



Vai pelas bermas
das veredas
na vertical da clorofila
onde se insurgem
pássaros matutinos
às escondidas
sobem os caules caracóis 
canários
na sua lentidão e com gotas
de orvalho
da madrugada que descem 
em contramão 
tudo animado pelo assobio
da brisa
em arrepio e dança das canas
há pequenos 
animais depois do sono
que suscitam
tramas e redes efémeras
oscilações
cúmplices do agricultor
a caminho
dos frutos e de exortar a horta
que expostos
a perigos e pragas várias
desta chuva
fora do tempo e de si
vai inseguro
e já dormiu a sono solto
o homem 
que desce a vereda
interpelado
pela ternura das plantas
e dos bichos
embalado pelas colheitas.

Lisboa, 21 de Junho de 2014
Carlos Vieira

sexta-feira, 20 de junho de 2014

O dia da libertação



Quando cheguei 
um pássaro voava 
esbaforido
pela casa
vendo-se preso
naquela enorme
gaiola
ao ver-me entrar
pousou 
na cantareira
e cantou
a sua libertação.

Lisboa, 20 de Junho de 2014
Carlos Vieira

Cena de caça



a lebre
corre desalmadamente
e o galgo também
tudo o que me interessa
é o rio que corre
paralelo
ao odor 
dos vimieiros
por detrás 
dos animais
que no seu instinto
de sobrvivência
parecem voar
e levo esta imagem
à cintura
cumpriu-se
a minha actividade
cinegética

Lisboa, 21 de Junho de 2014
Carlos Vieira

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Pássaros de papel

Pássaros de papel
Se os meus versos
fossem escritos
pelo bico adunco
e com a garra
dos pássaros
os meus poemas
poderiam 
ser o golpe de asa
das aves
em pleno voo
e podia admirar
temeroso
o mundo 
desde as escarpas
frequentando
a madrugada
dos cumes
e a noite
dos abismos
assim fico-me
na quietude 
da brevidade
a preencher
de sonhos
o vazio.

Lisboa, 18 de Junho de 2014
Carlos Vieira