sexta-feira, 20 de junho de 2014

Cena de caça



a lebre
corre desalmadamente
e o galgo também
tudo o que me interessa
é o rio que corre
paralelo
ao odor 
dos vimieiros
por detrás 
dos animais
que no seu instinto
de sobrvivência
parecem voar
e levo esta imagem
à cintura
cumpriu-se
a minha actividade
cinegética

Lisboa, 21 de Junho de 2014
Carlos Vieira

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Pássaros de papel

Pássaros de papel
Se os meus versos
fossem escritos
pelo bico adunco
e com a garra
dos pássaros
os meus poemas
poderiam 
ser o golpe de asa
das aves
em pleno voo
e podia admirar
temeroso
o mundo 
desde as escarpas
frequentando
a madrugada
dos cumes
e a noite
dos abismos
assim fico-me
na quietude 
da brevidade
a preencher
de sonhos
o vazio.

Lisboa, 18 de Junho de 2014
Carlos Vieira

Pequeno trama



oh! o alperce
com sua penugem
de gato
em madrugadas sorrateiras
e os teus lábios húmidos
do sumo 
delambido no meu peito
até te deteres
exausta de desejo
perante a inefável
mas sólida banalidade
de um caroço
às voltas na tua boca
a tua pele de ocre escuro
transitória penumbra
aparente quietude
de alperce ou de felina
que me espera
e que adivinho
iluminada 
por detrás do seda
dos cortinados

Lisboa, 19 de Junho de 2014
Carlos Vieira







terça-feira, 17 de junho de 2014

Atropelamento com fuga

Um peão 
na passadeira
corre muitos riscos
uns a seguir 
aos outros
a preto e branco
hoje houve 
mais um atropelamento
com fuga
tudo a cores
o sangue ainda corre
vermelho
pelo alcatrão
e a circunstância
de um jardim 
onde se acenderam
as luzes dos pirilampos 
azuis e amarelas
e as sirenes
a uivarem desalmadas
o peão voou
e teve morte 
de "passarinho".

Lisboa, 17 de Junho de 2014
Carlos Vieira

Bicho de conta


observo
o bicho de conta
em verso

Lisboa, 17 de Junho de 2014


Carlos Vieira

exercício de voo



por vezes 
o amor
é uma andorinha
um boomerang
que regressa 
para fazer
num qualquer 
momento
a preto e branco
o ritual
da Primavera 

Lisboa, 17 de Junho de 2014
Carlos Vieira

Elegia do afogado



Podes seguir agora
pelo cais
não cais
carregando
esse teu molho de ossos
desengonçados
vais nesse desespero
de quem fica
no olhar 
de quem parte
escutaste o alvoraçar
de um incêndio
fulminante
na guelra dos peixes
e o rumor da água
e os limos húmidos
nas paredes 
de mármores antigos
dos teus últimos beijos
devastados de marés
e de razões
conheceste o fulgor
dos pequenos caranguejos
espreitando
na aresta de um coração 
esse motor fora de bordo
que sangra viagens
no porto 
sabes que é noite 
pelo ranger das madeiras
e das ferragens
a lamberem os pulsos 
deste tempo
no drapejar
das velas brancas
por cima das quais
descansam as gaivotas
e a audácia do pensamento
onde falta o vento
e a bússola
arrastas a âncora 
e uma garrafa verde
a partir da qual
vislumbraste um rumo
de penumbra
a sonhar seda e especiarias
e rotas ancestrais
na escala de cabotagem
que te tocaram
na vida e na morte
agora ali estás
literalmente
afogado
de toda a paisagem
desfigurado
embora coroado
desse viço resplandecente 
de algas
a descaírem-te
pelo sobrolho.

Lisboa, 17 de Junho de 2014
Carlos Vieira