sábado, 17 de maio de 2014

Na sala de espera



Podem sentar-se
que a espera
vai ser prolongada
esperem
o mais confortável
possível
pela eternidade
como se tivessem
morrido
sem dar por isso
a paciência
é algo
que nunca é demais
exercitar
libertando-nos 
do melodramático
peso da morte
sentem-se
descansem 
em paz.

Lisboa, 17 de Maio de 2014
Carlos Vieira

Do beiral...

do beiral
partiu em voo as andorinhas
que propagaram a noite sem lua


Lisboa, 17 de Maio de 2014
Carlos Vieira

Vistoria



mergulho e examino
os pilares do conhecimento
da sua resistência
soltam-se borbulhas
tenho pouco tempo
para deixar
o abismo azul
e voltar à superfície
e me libertar
da dúvida

Lisboa, 17 de Maii de 2014
Carlos Vieira

sexta-feira, 16 de maio de 2014

barco de papel



quero um poema
que abarque
o teu sorriso puro 
de alumiar
o fim da nossa primeira noite
e que ao mesmo tempo
tenha um pé
na madrugada de um futuro
naquilo
que pensávamos
poderia ser sorridente
e do alto da gávea 
de um verso 
pudesse avistar
a poente 
o regresso da tua silhueta
e na náusea da espera
poderá pousar
a bordo da poesia
a ave 
de uma secreta alegria
com que me ensinaste
a vencer a grande e a pequena
tempestade

Lisboa, 16 de Maio de 2014


Carlos Vieira

Pólens



vento 
do fim de Maio
traz ao teu frágil pulmão
um corropio de papoilas
o miar dos gatos
alergias
coisa simples

em Maio 
teu pulmão
e o vento meu irmão
a brincar
com a frágil papoila
agora tosse 
solta-se a espectoração
pequenas complicações

foi em Maio
o teu pulmão na berma
da estrada dura
a asma 
depois da gargalhada
a partitura da tosse
início da crise
incidentes de menor
importância

em Maio
por causa do pólen
e das aves
a poesia ganha cor
perde pulmão
até as papoilas
erguem gritos efémeros
simulacros de dor
onde transparece o ópio 
para grandes males
grandes remédios
e efeitos secundários

Lisboa, 16 de Maio de 2014
Carlos Vieira

tempo de chumbo



dia estranho
um calor abafado
que algumas bátegas
de água vieram suavizar
a passarada canta ao desafio
eu com esta disposição de peixe
a querer sombra de águas profundas
ou fora de água de olhos esbugalhados
dilema de mãos a abanar e de encruzilhada
simplesmente azamboado da cada vez maior
dificuldade em recuperar de noite mais agitada
ou deste tempo cada vez mais difícil e conturbado

Lisboa, 16 de Maio de 2014
Carlos Vieira



                                                     Foto retirada do Los Angeles Times

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Meias de vidro

Lembro-me
como se fosse hoje
usavas meias de vidro
até ao fim das tuas pernas
inquebráveis e longas 
muito mais 
do que as noites
depois olhava-te 
tão fixamente
como nos atraem 
os astros
e os abismos
por dentro de nós
amarinham
todos os demónios
e eu que me tinha
em tão grande conta
tão hábil e dotado
tentava desevencilhar-me
de ser estrangulado
pelo poder absoluto
dos cristais
que faiscavam
das tuas meias de vidro.


Lisboa, 13 de Maio de 2014
Carlos Vieira