quarta-feira, 14 de maio de 2014

Tinha uma fisga...

tinha uma fisga 
de elásticos franceses
um luxo
comparadas com aquelas
feitas de câmaras de ar
de bicicleta

Lisboa, 13 de Maio de 2014
Carlos Vieira

terça-feira, 13 de maio de 2014

Sei de um ninho!

- Sei de um ninho!
Tempos em que saber de um ninho
era um segredo maior
só meu e do passarinho.

Lisboa, 13 de Maio de 2014
Carlos Vieira

paredes meias



entre quatro paredes
um piano a duas mãos
o ranger das portas
e de janelas
o mistério dos ruídos
no sótão
a subtil alteração da brisa
no estendal
a subtileza do eco dos teus pés
em peúgas sobre o soalho
entre quatro paredes
depois de oito dias a sós
agonias de acordeão
pela mobília a memória 
do estremecimento da tua voz
o ritmo febril da percussão
acompanhado de especiarias
nos alumínios da cozinha
entre quatro paredes
de betão
o vidro duplo
o aproveitamento energético
a dança das cadeiras
cada coisa em seu lugar
eu sou duro de ouvido
"- Concede-me a honra desta dança!
- Eu não sei dançar!"
só às paredes confesso
minha casa da música
meu silêncio
minha respiração

Lisboa, 13 de Maio de 2014
Carlos Vieira

No meio de nenhures...

No meio de nenhures
alguém
se encontra
algures

Lisboa, 13 de Maio de 2014

Carlos Vieira

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Tanto abandono



Uma parede de pedra e musgo
e líquenes
e as raízes a que ficou preso
o teu destroçado coração
ali existem os pedaços de caixilhos 
de uma janela
reflexos de olhos de bestas
no escuro
e lâminas de vidros quebrados
e a pairar 
a memória do amor 
inadiável
as teias 
são agora armadilhas de orvalho
para as aranhas
e tuas mãos a multiplicarem
as carícias
e os meus lábios 
a aplacarem o desejo
nas ruínas da casa das alfaias
habitadas por lagartixas
e o cheiro intenso dos adubos
que sobraram da última
lavra
posso lembrar-me com exactidão
o beco sem saída
para a transação 
dos nossos corpos nus
por um só corpo
e da premência das palavras
indecentes
fustigando a pele
no combate à inércia
à indolência
décadas atrás 
antes da política agrícola comum
e do nosso abandono
e de termos reconhecido
que papel competia a cada um.

Lisboa, 12 de Maio de 2014
Carlos Vieira







Tragédia rural


tragédia rural

mais um dia do louco alvoroçado no campo de trigo, a espantar os pardais, a destruir as espigas, o louco não pensa na colheita, nem no pão, nem no tiro da espingarda que atroou a serenidade rural, os cães de caça foram a correr e regressaram a ganir de cauda escondida, para junto do outro louco que sobreviveu.

Lisboa, 12 de Maio de 2014
Carlos Vieira

domingo, 11 de maio de 2014

Estava sobre a muralha...

estava sobre a muralha 
observa o espelho de água
e ouve-a que se despenha 
no açude
a harmonia e a queda
ele levou consigo
a afiada lâmina da corrente
e das pedras

Lisboa, 11 de Maio de 2014

Carlos Vieira