domingo, 4 de maio de 2014

Poema de amar desesperadamente



o nu
aceso
integral

de poro 
em poro sem paladar
corre a lágrima

para o teu delta
uma lâmina
de sal

fenda
à flor da pele
ferida vibrante

contorno
o ombro
e todo o desencontro

o teu umbigo
essa flor
destroçada

no pescoço
ao alto descansa um barco
encalhado num beijo

a língua 
no cume dos mamilos
onde um dia vai secar o leite

no baixo ventre
solta-se o teu delírio
e eu sou mais que a morte a demência

estás deitada
tuas pernas levantadas
e nas solas dos teus pés assolam vertigens

viras-te
e o pulsar do teu peito 
pede-me veemente uma ponte para o mundo

afinal após o desespero e depois da tempestade 
após os nossos corpos saciados
tudo se tornará na terra irrepetível e intemporal

Lisboa, 4 de Maio de 2014

Carlos Vieira

Poema de cão e de gato



Mesmo agora 
ouvi na rua 
o miar
de um gato
fui buscá-lo 
a correr
para dentro 
do poema
a seguir
ladrou 
um cão
abandonado
também 
lhe dei 
guarida
agora cão
e gato
encontraram-se
na esquina
de um verso
e não há
palavras
que descrevam
a companhia
um escreve
outro mia 
e outro ladra
os três
fazemos
poesia
dessa 
de gato 
sem dono
e de cadela
vadia
eu por vezes
lá arrumo
as palavras
que cada um
me pedia
poesia 
a três vozes
e seis mãos.

Lisboa, 4 de Maio de 2014
Carlos Vieira



Mãe emigrante





                                                        Fotos de Dorothea Lange

Mãe



Mãe
te agradeço
com letra grande
e do berço desse M
te reafirmo que te aMo 
ao colo de mais um verso
e em cada poeMa regresso
ao teu saber e ao teu sorriso
ao calor tão ameno deste Maio
envolto na Memória destemperada
do teu abraço.

Lisboa, 4 de Maio de 2014
Carlos Vieira




Foto: Mãe
te agradeço
com letra grande
e do berço desse M
te reafirmo que te aMo 
ao colo de mais um verso
e em cada poeMa regresso
ao teu saber e ao teu sorriso
ao calor tão ameno deste Maio
envolto na Memória destemperada
do teu abraço.

Lisboa, 4 de Maio de 2014
Carlos Vieira

A natureza morta do inviolável envelope


A carta
jaz neste domingo
em cima do tampo
um pingo de lacre
no vértice da aba
desfaz o branco
imaculado
daquele selado
rectângulo
num silêncio de cela
a luz incide
sobre ela
e quase a faz pairar
pergunto-me
se viverá um pássaro
lá dentro?
dali parece vir um rumor
longínquo
o tremor de uma voz
cá fora
não há sombra
de remetente
um aroma
a tinta permanente
ainda persiste
sobre
a mesa a reluzir
contra o vazio 
das mãos
em luta 
contra o destino 
aquele envelope 
por abrir
é o único objeto
que resiste
e me é vagamente
familiar
na casa devoluta.

Lisboa, 4 de Abril de 2014
Carlos Vieira


sábado, 3 de maio de 2014

Vidas paralelas



Susteve a respiração
encostou-se à parede
com o lenço limpou o suor 
do outro lado da rua
reconheceu o seu rosto
não, não poderia ser
pois agora colada à pele
tinha esta máscara
sem rugas e sem dor
já não suportava viver
de novo as duas vidas
paralelas espiando-se
incansavelmente
do outro lado do passeio
perguntava-se agora
que poderia ser da sua vida
como é que podia a outra 
ter sobrevivido.


Lisboa, 3 de Maio de 2014
Carlos Vieira



Um esquilo...

um esquilo 
ágil rumor de luz
pretextos de amêndoa
entredentes

Lisboa, 3 de Maio de 2014
Carlos Vieira