domingo, 16 de fevereiro de 2014

Excerto de " O Sono" de Murakami

Desde que deixara de conseguir dormir, começara a perceber até que ponto a realidade podia ser banal. Vendo bem, não passa disso mesmo: é apenas a realidade. Logo, fácil de manusear. O trabalho de casa, a mesma história. Como uma máquina: uma vez que se sabe pô-la a funcionar, depois é só questão de repetir os mesmos gestos. Carregar naquele botão, puxar aquela alavanca. Ajustar o termóstato, fechar a tampa, regular o temporizador.


Haruki Murakami, Sono

Homens que são como...

Homens que são como lugares mal situados
Homens que são como casas saqueadas
Que são como sítios fora dos mapas
Como pedras fora do chão
Como crianças órfãs
Homens sem fuso horário
Homens agitados sem bússola onde repousem

Homens que são como fronteiras invadidas
Que são como caminhos barricados
Homens que querem passar pelos atalhos sufocados
Homens sulfatados por todos os destinos
Desempregados das suas vidas

Homens que são como a negação das estratégias
Que são como os esconderijos dos contrabandistas
Homens encarcerados abrindo-se com facas

Homens que são como danos irreparáveis
Homens que são sobreviventes vivos
Homens que são sítios desviados
Do lugar



Daniel Faria
(Porque tudo tem um fim.)

losing places


Não olhes.
O mundo está prestes a rebentar.

Não olhes.
O mundo está prestes a despejar a sua luz
E a lançar-nos no abismo das suas trevas,
Aquele lugar negro, gordo e sem ar
Onde nós iremos matar ou morrer ou dançar ou chorar
Ou gritar ou gemer ou chiar que nem ratos
A ver se conseguimos de novo um posto de partida.


Harold Pinter

Amor na idade da pedra


I

O seu coração 
é uma ave 
triste
trespassada
pelo silício
da memória 
que persiste
em te amar.

II

Morre
devagar
corre
um sonho 
rupestre 
e de sílex
não desiste
luz etérea 
sobrevive
exangue
por amar-te
pigmentos
de Altamira
de escrita
visceral.

III

No silêncio 
e na angústia
do seu peito
o equívoco
perdura 
perene 
a adoração
por empedernido 
coração.

Lisboa, 16 de Fevereiro de 2014
Carlos Vieira


sábado, 15 de fevereiro de 2014

Passou depressa...

Passou depressa
o nosso tempo sem palavras, quando só
o tacto contava

E sabíamos ainda
como o amor pode ser grande
quando ninguém é de
ninguém


Hans-Ulrich Treichel, Como Se Fosse a Minha Vida

Ducks At Peace


I'd like to take my family to the lake,
Father said, so they could see how well
the animal & fish kingdoms get along.
You hardly ever see ducks fighting.
If they do, it's done in private.
We should follow their example,
& not air our dirty laundry in public.
That was what I told your mother
at the restaurant, that she should
save her complaints for when we
get home. She said she had already
complained there. She was hoping
she'd get better results if she changed locations.

Hal Sirowitz

Nuit de neige




La grande plaine est blanche, immobile et sans voix.
Pas un bruit, pas un son ; toute vie est éteinte.
Mais on entend parfois, comme une morne plainte,
Quelque chien sans abri qui hurle au coin d’un bois.
Plus de chansons dans l’air, sous nos pieds plus de chaumes.
L’hiver s’est abattu sur toute floraison ;
Des arbres dépouillés dressent à l’horizon
Leurs squelettes blanchis ainsi que des fantômes.
La lune est large et pâle et semble se hâter.
On dirait qu’elle a froid dans le grand ciel austère.
De son morne regard elle parcourt la terre,
Et, voyant tout désert, s’empresse à nous quitter.
Et froids tombent sur nous les rayons qu’elle darde,
Fantastiques lueurs qu’elle s’en va semant ;
Et la neige s’éclaire au loin, sinistrement,
Aux étranges reflets de la clarté blafarde.
Oh ! la terrible nuit pour les petits oiseaux !
Un vent glacé frissonne et court par les allées ;
Eux, n’ayant plus l’asile ombragé des berceaux,
Ne peuvent pas dormir sur leurs pattes gelées.
Dans les grands arbres nus que couvre le verglas
Ils sont là, tout tremblants, sans rien qui les protège ;
De leur oeil inquiet ils regardent la neige,
Attendant jusqu’au jour la nuit qui ne vient pas.
Guy de Maupassant, Des vers