sábado, 8 de fevereiro de 2014

O temporal...

O temporal abate-se sobre a costa portuguesa
barbaramente
nobre povo
pobre gente
que já nem a terra tem firme.

Lisboa, 8 de Fevereiro de 2014


Carlos Vieira

Abro la noche

Abro la noche para recibirte. En cada palabra
mis manos inician un largo recorrido hacia la sombra,
hacia lo que no es posible abarcar. Y sin embargo,
helo ahí como si quisiera traernos un pedazo de nosotros mismos,
un fragmento de luz, una sílaba cerrada en su misterio.

Nombrarte es el comienzo del exilio. Y permanecer en ti
una constante despedida. Ofrezco mis ojos a lo que se diluye bajo tu lámpara.
A la eternidad que se desteje minuto a minuto para que yo pueda entrar en ella.
Sin cortejos. Sin una guía para mis pasos.

Escribo en el polvo este no saber hacia dónde,
a qué distancia se oculta la rosa.
Nuestro diálogo es el inicio del viaje, su silencio el camino de retorno.

Es necesario permanecer a la intemperie.

ABRE TODAS AS PORTAS





Abre todas as portas: a que conduz ao ouro,
a que leva ao poder, a que esconde o mistério
do amor; a que oculta o segredo insondável
da felicidade, a que te dá a vida
para sempre no gozo de uma visão sublime.
Abre todas as portas sem pareças curioso
nem dar importância às manchas de sangue
que salpicam os muros das habitações
proibidas, nem às jóias que revestem os tetos,
nem aos lábios que buscam os teus na sombra,
nem a palavra santa que espreita nos umbrais.
Desesperadamente, civilizadamente,
contendo o riso, secando tuas lágrimas,
no limiar do mundo, no fim do caminho,
ouvindo como cantam os rouxinóis,
não duvides, irmão: abre todas as portas.
Mesmo que nada exista dentro.


                   (de Los mundos y los días, 1998)



O erotismo segundo Bataille

Mas essa nostalgia comanda em todos os homens as três formas de erotismo. Falarei sucessivamente dessas três formas, a saber: o erotismo dos corpos, o erotismo dos corações e, finalmente, o erotismo sagrado. Falarei dessas formas a fim de deixar bem claro que nelas o que está em questão é substituir o isolamento do ser, a sua descontinuidade, por um sentimento de continuidade profunda. (Bataille, 1987:15)

ESMOLA


Versos,
em brasa,
como tostões à porta de uma igreja
iluminando as mãos
de um pobre.



4-XI-99
José Ricardo Nunes

O planeta precário


a noite cerrou todas as janelas
alastrou um império de improviso para os
cães sem nome sem dono e atirou
longamente o seu queixo de toneladas até
à mancha
espalmada do rio

e à sua maneira de nos insultar
a tristonha envergadura da sua queixa

as palavras
que usamos
têm  a idade que aparentam

atingidas pela velhice ou pelo descrédito
num alvoroço se oferecem ao abismo

despenhadas rolam
e se confundem com a lava
com a espuma tensa do tempo ainda intacto

para de novo nascerem noutra pátria
mais respirável
ternamente povoar o indómito e triste
hálito
do mais apavorado e generosos bicho

À hora de morrer vai ser necessário
imitar a navegação tumultuosa e resignada
das palavras.

Entre elas e o poeta
um segredo brinca
religioso
trémulo
e imprudente

um segredo amoroso e repugnante

Tu, que de há tanto e tão bem o conheces
melhor te será conservá-lo escondido
até ao momento da surpresa
que a morte branca do medo exige

Cada um de nós, deve ser, não a lei, mas
o galho inopinado e ímpar
o plano imediato da evasão
alucinado e lúcido

Cada um de nós deve ser o momento
de recusar férias à ferida
e de mandar matar todos os parafusos
destronar todas as molas reais
ou irreais
da

respiração artificial

pendurada do tecto
a tua ausência informa: é madrugada
bela notícia confirmada
o céu está menos preto

busto ou explanada
mas só de sombra
a solidão redonda
desta vida parada

não é flor nem bomba
nem página virada
nem a hecatombe
fria e ferial

da charada final
e indesejada !

Falta o indulto especial da tua mão
e tu a dizeres-me, aguda e de assalto:

 "A solidão
é nada."

a cabeça começa por fazer dueto com o teu relógio
crepita sobre a almofada
parece mesmo um gatilho em desuso
uma flecha detida por um hábito lívido

são já os primeiros rumores estremunhados
no tablado das coisas
para onde a luz, como tu, atira os braços
como tu um beijo

enorme e distraída oficina conjugal

é agora a infalível
serpente inofensiva e doméstica do sol
monstro diluviano de capoeira
a farejar
com um aspecto acabrunhado de enfermeiro despedido
a fresta que permita o carnaval

está então na hora?

a cabotagem entre portos diminuídos
tenazmente em circuito cinzento
o tráfego livre dos gestos, enrugado apenas
pelo milagre de um ou outro vizinho mais mumificado
se levar pela mão a cara de brinquedo do filho

a quem acabam por perdoar por não ter ainda convite
e é só entrar

no solfejo nauseante
no cerimonial mercantilista do braço ao peito





josé sebag
surrealismo abjeccionismo
antologia organizada por mário cesariny
edições salamandra
1992




Carta ao filho

  

Não vivas sobre a terra como um estranho
Um turista no meio da natureza.
Habita o mundo como a casa do teu pai.
Crê na semente, na terra, no mar.
mas acima de tudo crê nas pessoas.
Ama as nuvens,
as máquinas,
os livros,
mas acima de tudo ama o homem.
Sente a tristeza do ramo que murcha,
do astro que se extingue,
do animal ferido que agoniza,
mas acima de tudo
Sente a tristeza e a dor das pessoas.
Alegra-te com todos os bens da terra,
Com a sombra e a luz,
com as quatro estações,
mas acima de tudo e a mãos cheias
alegra-te com as pessoas.



Nazim Hikmet, (1902 - 1963) c. 1960.