terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Tempo morto



Traz da sua infância 
o cheiro podre das maçãs
e a precariedade
dos pêssegos
de onde recupera 
o tema da eternidade
do fruto proibido
ele nunca soube amar
por isso sobreviverá
pois para ele
o tempo nunca existiu
e só ele quando
chegar o momento
poderá olhar de frente 
a morte.

Lisboa, 4 de Fevereiro de 2014
Carlos Vieira

Excertos de Malcolm Lowry


(...)
- O albatroz, à meia-noite, aninhou-se no mastro, o grande bico, visto da ponte, doirado na luz movente: quando o bico estava lá fazia uma terceira luz. Finalmente afastou o bico e só se podia ver, de bombordo, as penas da cauda. Era o albatroz mãe. Ficou ali a noite inteira, enquanto no outro mastro, à ré, estavam cinco jovens albatrozes, aninhados juntos, negros... A mãe albatroz trouxera a sua ninhada para bordo para descansar.
Nov. 26. De manhã os tripulantes apanharam um deles para Primrose. O albatroz bebé na amurada com seus pés vermelhos e bico de esmalte azul e penas cor de corça, sibilando. Depois, para minha alegria, soltaram-no. ..
Frére Jacques, Frère Jacques. Dormez-vous? Dormez-vous?
A Costa do Panamá é como o País de Gales. O velho Charon não quis vir ver o albatroz. Depois da captura do albatroz, mais coisas excitantes (...)

Naufrágios


Ontem quis ser náufrago
e adormecer assim na minha cabana de palmeiras,
fazer com dois cocos um sutiã para a minha mulher.

Quis ser náufrago
e andei pelas bibliotecas e pelas ruas,
questionei inclusivamente a experiência.

E no fim aprendi
que, para o ser,
só tinha de recordar
o que parecia não ter importância,
e varrer um pouco a praia
antes de me instalar,
não se desse o caso do último inquilino
se ter esquecido de o fazer.

Manuel Arana


(Versão minha; original reproduzido em Poesía por venir - Antologia de jóvenes poetas andaluces, Junta de Andalucía / Editorial Renacimiento, 2004, p. 14).

Os Solitários


No solitário, a reclusão, ainda que absoluta e até ao fim da vida, tem muitas vezes por princípio um amor desregrado da multidão e tanto mais forte do que qualquer outro sentimento, que ele, não podendo obter, quando sai, a admiração da porteira, dos transeuntes, do cocheiro ali estacionado, prefere jamais ser visto e renunciar por isso a toda e qualquer actividade que o obrigue a sair para a rua. 

Marcel Proust, in 'À Sombra das Raparigas em Flor'



Because you may think...

"Because you may think a bed is a peaceful thing, Sir, and to you it may mean rest and comfort and a good night's sleep. But it isn't so for everyone; and there are many dangerous things that may take place in a bed."


Margaret Atwood, Alias Grace

Excerto de Um bom homem é difícil de encontrar

"mas a avó pusera um chapéu de palha azul-escuro com um ramo de violetas brancas na pala e escolhera um vestido do mesmo tom com pequenas pintas brancas. O colarinho e os punhos eram de organdia branca rematada por rendas e junto ao pescoço tinha pregado um alfinete de violetas roxas com um saquinho aromático. Em caso de acidente, qualquer pessoa que a encontrasse morta na auto-estrada saberia imediatamente que estava ali uma verdadeira senhora."


Flannery O'Connor, Um Bom Homem é Difícil de Encontrar

Sangre joven



Quiero tu sangre joven, que es querer
todo lo que la vida aún no ha podido hacerte.
De lo que me alimento
es de esa inútil sangre esperanzada,
de cuanto sé que ignoras hasta hoy,
y que más nos valdría que no supieses nunca.
De esa manera, por obra de tu sangre,
creo en lo que no creo, y olvido lo que sé
que te ha de suceder. Quiero esa risa
que aún no ha tenido tiempo de hacerse prudente,
de pensarse dos veces si reír
es celebrar el mundo o lamentar su estado.
Envidio el que no hayas vendido
ninguna alma al diablo, y que bailes con él
a la luz de la luna, a veces, sin conciencia.
Juego contigo, porque no sabes las reglas,
ni siquiera las de tu propio juego,
y mientras las aprendes
soy el que ya no soy desde ya no sé cuándo.
Quiero la impunidad con que te entregas
a la tarea de vivir la vida,
sin paz, sin horizonte, sin infierno,
que son el argumento de las vidas ajenas.
Viéndote hacerlo, se diría
que desconozco todo lo que conozco.

Así es tu sangre,
Ya sabes lo que busco.
Qué tristeza que el tiempo, o yo, o tú misma
tengamos que matar, en ti, toda tu sangre.


Lee todo en: Sangre joven - Poemas de Carlos Marzal http://www.poemas-del-alma.com/carlos-marzal-sangre-joven.htm#ixzz2sOHNNUK6