sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Sala de Urgências



sala de espera
das urgências do hospital
5h da manhã uns com cara de caso
outros com caso

os doentes e os acompanhantes
aparentemente
não se distinguem
só com olho clínico

distingo os médicos
por carregarem ao pescoço
o poder de nos escutar
o coração

agora
o pessoal já não
anda todos de branco
mas ainda tem
aqueles gestos de anjos com sexo
o que me agrada

não chegou
nenhuma ambulância histérica
sobretudo com este frio
não dá jeito nenhum 
estar doente ou ter acidentes

passou uma enfermeira
sorridente e com a segurança
de barco que atravessa todas as tormentas
os doentes não tem outro remédio 
de que se lhe entregar
"Não, não estou eu que estou doente, 
é a minha mulher!"

sempre tive 
alguma admiração pelas macas
carrinhos de esferas onde se anda deitado
até que parti uma perna 
e esfumou-se o sonho 
em 5h de pesadelo
a 5 palmos do centro de gravidade

já devia ter o brevet 
das urgências
inscrição, triagem, médicos estremunhados,
exames complementares de diagnóstico
sonos e sonhos perdidos

fico anestesiado
só do cheiro a medicamentos
e pela iluminação etérea
viajamos nos corredores estreitos
como dentro de nuvens cirroestratrus
e o céu já ali

deixei o hospital
e fica-me aquela sensação longínqua
dos rostos dos médicos, 
dos quase médicos
dos paramédicos 
a desvanecerem-se
"Está com outro ar! 
Está com outro ar!"
eu que sofro de asma 
e que sou apenas 
o acompanhante 
de um familiar


Lisboa, 24 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira




Numa passagem de nível...

Numa passagem de nível
encontrei o meu amor,
enquanto o comboio
passava eu estremeci,
jamais nos cruzamos.

Lisboa, 23 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Observo-te ao espelho...

Observo-te pelo espelho
o teu olhar de punhal
sem misericórdia
e insensatez felina
de puro instinto animal
volto-me para ti
uma breve caricía
abraço-te e eis-te de novo
menina apenas menina.

Lisboa, 23 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

Digo o teu corpo...

Digo o teu corpo
e as sílabas acendem-se uma a uma
o texto é fogo posto à flor da pele
index da inquisição
e a volúpia que me consome
entrelinhas procura dentro de ti
na gramática dos movimentos
um orgasmo de mel.

Lisboa, 23 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira

Acabaste de passar...

Acabaste de passar 
a lâmina solar da esquina
e perdi-te debaixo do viaduto
se pudesse iria a correr ver-te irromper
do outro lado fulgurante a libertartares-te 
da penumbra e saindo um pouco transtornada
ias olhar-me demoradamente como se fosse a primeira
e a última vez e depois eu ficava ali a sangrar de um inesperado
amor de passagem não correspondido.

Lisboa, 23 de Janeiro de 2014

Carlos Vieira

Mudam-se os tempos, as regras ou escondem-se os “berlindes”



Lá vai o tempo
em que se jogava o berlinde,
de joelho no chão
e dois palmos antes do buraco,
agora ao falar-se de “berlin-de”
falamos de coisas muito mais sérias,
de um jogo inteligente,
deve ter muita estratégia
e sem desperdícios,
não se brinca
com o nosso dinheiro
e “de pequenino
é que se torce o pepino”,
são precisos
hábitos de trabalho,
ser responsável,
faço figas
com as mãos nos bolsos,
seguro
bem os "guelas"
e o abafador
da sorte.

Lisboa,  23 de Janeiro de 2014
Carlos Vieira



                                                           Foto de autor desconhecido

Tem saudade...

Tem saudades
de ver o mar
e no entanto
tem medo dele,
no amor
é sempre assim,
o saber das marés
do tempo
e das distâncias.

Lisboa, 23 de Janeiro de 2014

Carlos Vieira