sábado, 28 de dezembro de 2013

Nada nem nenhum...

Nada nem nenhum
guarda garante o sono,
senão o medo que vela
à cabeceira.

Noites preenchidas de demónios

e quimeras.

A candeia quase extinta
à míngua de azeite
é que fabrica as sombras.

Depois, pela manhã,
lambo as feridas,
penteio-me como se
tivesse dormido, como se

não fosse nada.










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A pele a cores dos mineiros




Toca a sirene
é hora de sair da mina 
saem os brancos, os pretos, os amarelos 
todos negros
e no fim da vida 
pode-se dizer que saem azuis
com crateras de silíca imaculada
nos pulmões.

Lisboa, 27 de Dezembro de 2013
Carlos Vieira

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Os Poetas Trabalham à Noite



Os poetas trabalham à noite
quando o tempo não urge sobre eles,
quando cala o rumor da multidão
e termina o linchamento das horas.

Os poetas trabalham no escuro
Como falcões noturnos ou rouxinóis
de dulcíssimo canto
e temem por ofender Deus.

Mas os poetas, em seus silêncios
fazem bem mais rumor
Que uma dourada cúpula de estrelas.


Alda Merini

Poema em reconstrução




O vento sopra desalmadamente
folhas de papel, plásticos, ramos voam pelo ar,
na rua larga do poema não fica pedra sobre pedra
vai tudo à frente, as  palavras viradas do avesso,
esventradas, no estaleiro em frente, um operário
assobia uma canção familiar.

Lisboa, 27 de Dezembro de 2013
Carlos Vieira

Fahrenheit 451

»Número um: sabe por que livros como este são tão importantes? Porque têm qualidade. E o que significa a palavra qualidade? Para mim significa textura. Este livro tem poros. Tem características. Este livro pode ver-se num microscópio. Encontraria vida por debaixo da lente, a passar numa quantidade infinita. Quantos mais poros mais detalhes verdadeiramente registados de vida por centímetros quadrado encontrar numa folha de papel, mais «literário» será.


Ray Bradbury, Fahrenheit 451

Ave haiku LVII



Raios e agora 
que deixei partir todos os pássaros 
que me habitavam?

Lisboa, 27 de Dezembro de 2013
Carlos Vieira

Na cela solitária da nossa pele

E por isso falamos uns com os outros, escrevemos, telegrafamos e telefonamos uns aos outros, de perto ou de longe, cruzando terra e mar, apertamos as mãos à chegada e à partida, lutamos uns com os outros e até nos destruímos uns aos outros neste esforço algo frustrado de atravessar paredes em direcção ao outro. Como disse uma vez um personagem numa peça, estamos todos condenados a viver na cela solitária da nossa pele.


Tennessee Williams