De repente
Tu eras o poente
Resistindo depois de todas as rosas que murcharam
Meus olhos
Pousaram no teu silêncio
Com sofreguidão aprendem a voar até à eternidade
Nas suas palavras
Podiam-se ainda ouvir os grilhões, a falta de ar nas câmaras
de gás
Sobrevivendo com dificuldade ao tiro que ditou a morte de
Martins Luther King
Bates no meu peito
Teus braços cruzados
Minhas mãos contorcem-se no vazio e desfolham a penumbra
Tu eras um peixe
Rumor fulgente no rio
Agora sou ave nocturna, tu és lago parado à minha volta
Partiste ligeiro
Sem olhar para trás, sem fechar a porta
Voltámos a ser apenas vultos cercados de nuvens
Saíste sem dizer nada
Não esperava contudo ficar menos só
Já não te espero, tu espias-me, reencontro-te em qualquer
esquina
Partiu e deixou-nos no seu peito firme
Óculos redondos e para “ou-ver” ao longe Imagine
Essa última rosa exangue
Subitamente
As tuas longas mãos frias
Deixaram acesas apenas as estrelas mais distantes
A luz limpa do teu canto
A perfeita serenidade das estátuas
E tu caindo redonda do alto da cerejeira
Como pudeste morrer agora
Sem aviso prévio
Desconheces que começou a Primavera
Lisboa, 7 de Abril de 2013
Carlos Vieira
“Woman with
her dead child”
Kathe
Kollwitz