sexta-feira, 15 de março de 2013

Tempo de subir as árvores...

tempo de subir as árvores
de cavalgar essas nuvens verdes pousadas na terra
trincando a fruta madura como quem beija

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2013
Carlos Vieira

quinta-feira, 14 de março de 2013

Oiço o canto da ribeira...

oiço o canto da ribeira que corre neste lúgubre casebre
sei dele ao longe no fumo branco sobe ao céu pela chaminé
e ao fim da tarde sei da montanha curvando-se aos seus pés
toda esta paisagem cresce inútil como erva dentro de mim
no entanto sempre que penso naquela montanha adormeço
e a chaminé é uma ponte por onde passam os pensamentos
solitária sobre a falésia e a erva uma humilde casa de madeira
é o meu barco à vela de um sonho onde sopra o canto da ribeira

Lisboa, 14 de Março de 2013
Carlos Vieira

domingo, 10 de março de 2013

Um outro dia a mesma mulher


 

 

Mulher relâmpago

que cruzas meu dia de água

de aves e vozes cristalinas

e acendes

pérolas nas árvores

como crianças luminosas

à chuva

a tamborilar

em barrigas de vento

peixes e trovoadas breves

nas nuvens do medo

do olhar de colher o sol

e acalmar a fome

mulher relâmpago

de plantar raízes incandescentes

no céu para sonhar

pássaros subterrâneos

inconformados

teus dedos

rasgando o lençol de água

na tempestade interior

a solidão do pêndulo

nunca resignada

de parir um raio

e um outro mundo

 

Lisboa, 9 de Março de 2013

Carlos Vieira

 

                                              “Mulher relâmpago”  Escultura de Paige Bradley

 

quarta-feira, 6 de março de 2013

Momento quase histórico


 

 

Estavam todos em polvorosa

considerando o facto raro

daquilo que havia ocorrido

ninguém sabia bem onde

nem exactamente quando

nem mesmo se sabia ao certo

a dimensão do fenómeno

as consequências do impacto

facto é que de boca em boca

se comentava que dali em diante

tudo seria muito diferente

e tudo se passou a discutir

consoante tinha sucedido

pouco depois ou até durante

nada seria como dantes

ainda que chegassem  conclusão

de que verdadeiramente

nada de novo tinha acontecido.

 

Lisboa, 6 de Março de 2013

Carlos Vieira

 

terça-feira, 5 de março de 2013

A importância do beijo na evolução das espécies



Muito embora
a minha aparente frieza
permaneceram
as asas e as penas
de um romântico
do século passado
ou talvez até mais atrasado
uma bucólica firmeza
do “Rouxinol” de Bernardim
sobrevive em mim
à beira rio
e ao fim da tarde
saboreamos um gim
em nós
nada há de novo
a tua mão elegante
sobre o Bugio
apontando a foz
vai pousar
a seguir
sobre a minha
aparentemente distraída
e neste momento
pouco científico
das leis da atração
foi-se calando a tua voz
na esplanada do Darwin
fico cego
voltámos à inocência
na bissetriz
de um pôr do sol
e discutimos o significado do beijo
na secular evolução
das espécies.

Lisboa, 5 de Março de 2013
Carlos Vieira

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domingo, 3 de março de 2013

Natureza morta


Natureza morta


Tão prosaico

é o cesto de vime

conto

pousado na erva

numa nudez entrançada

de mãos ásperas

gaiola improvisada

de onde se soltam

atordoadas as aves da manhã

vais de braço dado

com a neblina

vai ao mercado

negociar

aromas de bosques

gorjeios

sortilégios de pomares

desatam-se no ar

irrompe a frescura audaz das flores

no cesto de vime

da nudez entrançada

pelo conto

de delicadas mãos

gaiola improvisada

de onda se soltam as aves

um desejo impaciente

 crepuscular.


Lisboa,3 de Março de 2013

Carlos Vieira



“Unknown garden bike”

sexta-feira, 1 de março de 2013

Epifania na penumbra do amor eterno



Estão sequestrados pela tirania da noite eterna
os amantes infelizes
encontram agora abrigo na luz efémera da lanterna

Agora na prepotente clausura da luz da lanterna
os amantes infelizes
conseguem reconhecer o refúgio da noite eterna

Lisboa, 1 de Março de 2013
Carlos Vieira


           « Masquerade » de Chantal Giry (Tiffany)