"I have great faith in fools; self-confidence my fiends call it;"
Edgar Allan Poe
domingo, 8 de julho de 2012
Viagem de circum navegação
Eis-me aqui ao leme no meio do turbilhão do nosso desejo
Sulcando teu corpo sendo toda a Terra és tudo o que vejo
Teus dentes brancos na crista da onda no peito me devoram
Enquanto lentamente te atravesso tuas profundas entranhas
As unhas cravadas nos meus ombros toda a razão dilaceram
Tendo-te à mercê sem nunca te entregares me acompanhas
Mesmo quando a tua agitada tempestade mais me atormenta
Sigo no teu rumo e querendo-me salvar em ti fico perdido
Minha alma em chamas a tua carne doce de coral sustenta
Fujo do olho do furacão e se mais longe de ti mais desmedido
Mais cego do amor que desce na vaga e se torna mais fecundo
Nesta expedição em que para fugir de ti fui ao encontro da
dor
Erro no labirinto cósmico do teu corpo pois não há mistério
maior
Que o de olhar-te nos teus olhos e entrando em ti escutar o
mundo
Lisboa, 8 de Julho de 2012
Carlos Vieira
sábado, 7 de julho de 2012
Excentri(cidades) I
corre
um homem nu
no meio da avenida
das buzinas estridentes
todos os homens e mulheres
correm nus
o polícia acorre diligente
a mulher de meia idade sorri
consumida pelo pudor
outra mulher idosa afasta-se
como se tivesse visto o fantasma
de si própria
nas janelas dos escritórios
estavam dependurados os rostos
de um anónimo encantamento
que faltava nas colunas do deve e haver
nas lojas de pronto-a-vestir
houve um intervalo no toque dos tecidos
e os clientes vestiram-se rapidamente
ninguém o reconheceu
um homem como Deus o deitou ao mundo
é muito mais difícil de reconhecer
há muito mais probabilidade de um homem nu
poder ser louco, foragido, exibicionista, libertário
nunca seremos nós mesmo
ele lá prosseguia na caricata dança das “partes”
e mantinha uma distância razoável
do esbaforido homem da lei
até que por fim o homem
se escapuliu por a ruela
o polícia desistiu
e à avenida
regressou a crucificada normalidade
e ao esquecimento
aquela nudez marginal
Lisboa, 7 de Julho de 2012
Carlos Vieira
“Homem Vitruviano” datado por volta de 1490 de Leonardo Da
Vinci (1452-1519)
sexta-feira, 6 de julho de 2012
Pro-texto
houve uma palavra
que se ergueu
do texto sereno e correcto
perante a incredulidade
das que a rodeavam
não aceitou ficar ali
a fazer sentido
e agora vocifera
no meio do nada
e põe tudo em causa
no texto passa-se palavra
e as outras palavras
comentam a loucura
ou a coragem da palavra
de não ser apenas mais uma
o que é certo
é que o espaço em branco
se tornou um silêncio
ensurdecedor
um pretexto
e deixou de haver
unanimidade
no significado das palavras
e em tudo se colocou
muitas reticências
e interrogações
e agora existe nas entrelinhas
e no contexto
um murmúrio de sublevação
um novo texto
ninguém sabe
o que lhe aconteceu
a palavra desapareceu
de circulação
sem dizer nada.
Lisboa, 6 de Julho de 2012
Carlos Vieira
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