sexta-feira, 11 de maio de 2012
Clarabóia
Abro uma clarabóia no poema que permite a luz entrar
e pode ainda fazer desabrochar a palavra mais sombria
cessando aquela sensação de falta de ar e de claustrofobia
pois se um dia as palavras forem a prisão que construímos
que possamos fugir pelo túnel e raízes do amor que cuidamos
Lisboa, 10 de Maio de 2012
Carlos Vieira
Clarabóia no cubículo das Estações; Catacumba de São Calisto,
Roma
quinta-feira, 10 de maio de 2012
terça-feira, 8 de maio de 2012
Poema casulo
particulares afinidades
de larva
ao fingir-me de morto
senti algum formigueiro
neste gostar de morder a terra
desses bichos anónimos
gosto de observar-lhe
a azáfama
de senti-los “álacres e sedentos”
de sabê-los virgens e de me sentir Deus
e vê-los sem me verem a processar o bem e o mal
a larva leva aquela vida pacata e precária
fingindo não saber
do seu poder de nos levar à morte em minutos
neste entretanto daquele seu reino das trevas
vi fugir da cultura da lamela
pelo microscópio um calmo cientista contaminado
devorando inexpugnáveis matérias
entre nuvens de bolor e náusea
entre odores pestilentos
produz em laboratório o mais puro silêncio
esse bálsamo que nos ressuscita
inúteis sonhos casulos de borboletas
a larva que se impregna na madeira
que não é visível a olho nu
dissimulada ou discreta
de qualquer maneira é verme miserável
execrável voyeur que durante o sono
da mesinha de cabeceira me parasita os sonhos
peguei numa amostra e observei a larva
de todos os ângulos e a diversas horas
surpreendido
verifiquei que o ínfimo animal
me olhava desconfiado mas sempre com ar superior
de quem pensa mais tarde ou mais cedo encontrar-nos-emos.
Lisboa, 7 de Maio de 2012
Carlos Vieira
“Parasitism lover” por sheepxxx
segunda-feira, 7 de maio de 2012
domingo, 6 de maio de 2012
Mãe
Mãe, de pressentir-te o voo no olhar atento
eterno
dos dedos que te beliscam o pescoço
que te “orelham”
a desenharam a elipse oval da ternura
oiço-te em oração
ou será numa canção de embalar
sei que em tudo foste o barco
que partiu ao nosso encontro
não esqueço o teu rosto a pairar na areia
enquanto ancorado no peito o grito
do testemunho lento e aflito
medes de novo a temperatura
que te não dá descanso
no teu gesto manso
sem sintomas
sem queixas
de temperar a pressa e a raiva e a angústia
do momento
de um qualquer banco de hospital
a tua mão que compõe as últimas madeixas
que vira a página da história
e faz de pássaro
na luz de candeeiro
a esvoaçar em todas as sombras
a exorcizar todos os medos
pões água na fervura do tempo
na torneira do banho
aqui estás e ali ficaste
aquém do silêncio do esquecimento
de regresso à gramática doce
à alegria das primeiras palavras
acompanhas as filhas rasa de lágrimas
por dentro
ou de sorrisos por fora
sentada no rectângulo da cama
acolhes a todos
curvada sobre o ângulo recto da justiça
enquanto a borbulha feia cresce
e a ferida infecta
esperas-nos no infinito limite da tua paciência
fazes cinquenta esperas e consultas por ano
e milhares de análises de resultado imprevisível
aqueces mais uma vez a sopa
o leite meio gordo
e tratas o caos que te perturba
por todos os cantos da casa
e da tua fragilidade
compreendes a falta de atenção
de nos ausentarmos quando tanto precisavas
arranjas um último beijo
no fim do dia
do carinho, da compaixão e de coragem
de uma vida
ainda vamos passear pela tua mão
conhecer o mundo
enquanto aconchegas o cobertor.
Lisboa, 6 de Maio de 2012
Carlos Vieira
“Mãe e Filho” de Gustave Klimt
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