sábado, 5 de maio de 2012

O crime perfeito (I)

 

no leito entreaberto o lençol era um enorme jarro flor, de onde escorria o marfim que já foi anterior ao gestos de despertar e se prolongava na camisa de dormir que escondia o corpo frágil. uma rosa de sangue parecia levar a luz dos caracóis loiros. pétalas de luz floriam nas frinchas da persiana e acendiam a metade da água que repousava na jarra de vidro sobre a mesa de cabeceira. aí havia muitos comprimidos completamente brancos semeados no caos. um choro ténue de mãe ou de filha surgiu como um riacho debaixo da porta com foz num aposento contíguo. havia aquele intruso no espelho que era eu. que fazia ali a usurpar a cumplicidade doce e morna da madrugada deste quarto? somente aquele cheiro recente de pólvora me era familiar e que apontava para que algures calada, se poderia encontrar a flor fatal, até que no esquadrinhar minucioso do olhar ela ali estava, de prata caída, depois da última primavera de fogo, a pistola tinha adormecido num sono solto,  sob o tapete creme de angorá, planeando outra trair a vida noutro jardim interior.

Lisboa, 5 de Maio de 2012

Carlos Vieira

                                                           
                                                          A Morte de Desdemona - Delacroix

Romy Schneider La chanson d'Helene

Jessye Norman : "La Mort de l'Amour" (Poème de l'Amour et de la Mer) by Ernest Chausson (Part 1/2)



Ernest Chausson (1855-1899)

Poème de l'amour et de la mer, op. 19 (poem by Maurice Bouchor,1855-1929) / Poem of Love and the Sea / Das Lied von der Liebe und vom Meer)

I- La Fleur des eaux
II - La Mort de l'Amour

Jessye Norman, soprano

Lane Anderson, cello

Orchestre Philharmonique de Monte-Carlo
Conducted by Armin Jordan


Bientôt l'île bleue et joyeuse
Parmi les rocs m'apparaîtra;
L'île sur l'eau silencieuse
Comme un nénuphar flottera.

A travers la mer d'améthyste
Doucement glisse le bateau,
Et je serai joyeux et triste
De tant me souvenir Bientôt!

Le vent roulait les feuilles mortes;
Mes pensées
Roulaient comme des feuilles mortes,
Dans la nuit.

Jamais si doucement au ciel noir n'avaient lui
Les mille roses d'or d'où tombent les rosées!
Une danse effrayante, et les feuilles froissées,
Et qui rendaient un son métallique, valsaient,
Semblaient gémir sous les étoiles, et disaient
L'inexprimable horreur des amours trépassés.

Les grands hêtres d'argent que la lune baisait
Etaient des spectres: moi, tout mon sang se glaçait
En voyant mon aimée étrangement sourire.

Comme des fronts de morts nos fronts avaient pâli,
Et, muet, me penchant vers elle, je pus lire
Ce mot fatal écrit dans ses grands yeux: l'oubli. ]

Le temps des lilas et le temps des roses
Ne reviendra plus à ce printemps-ci;
Le temps des lilas et le temps des roses
Est passés, le temps des oeillets aussi.

Le vent a changé, les cieux sont moroses,
Et nous n'irons plus courir, et cueillir
Les lilas en fleur et les belles roses;
Le printemps est triste et ne peut fleurir.

Oh! joyeux et doux printemps de l'année,
Qui vins, l'an passé, nous ensoleiller,
Notre fleur d'amour est si bien fanée,
Las! que ton baiser ne peut l'éveiller!

Et toi, que fais-tu? pas de fleurs écloses,
Point de gai soleil ni d'ombrages frais;
Le temps des lilas et le temps des roses
Avec notre amour est mort à jamais.

Barbara Hendricks: "Chanson triste" by Henri Duparc


"Six Mélodies avec orchestre"
- Chanson triste / Melancholy Song
Text: Jean Lahor


Barbara Hendricks, soprano

Oslo Philharmonic Chorus
(Terje Kram, Chorus Master)

Oslo Philharmonic orchestra
Conducted by Esa-Pekka Salonen
Oslo, 1987.

Dans ton cœur dort un clair de lune,
Un doux clair de lune d'été,
Et pour fuir la vie importune,
Je me noierai dans ta clarté.

J'oublierai les douleurs passées,
Mon amour, quand tu berceras
Mon triste cœur et mes pensées
Dans le calme aimant de tes bras.

Tu prendras ma tête malade,
Oh! quelquefois, sur tes genoux,
Et lui diras une ballade
Qui semblera parler de nous;

Et dans tes yeux pleins de tristesse,
Dans tes yeux alors je boirai
Tant de baisers et de tendresse
Que peut-être je guérirai.

Ann Murray : "Chanson Perpétuelle" by Ernest Chausson

quinta-feira, 3 de maio de 2012

A Woman's Way - Halie Loren

Os novos respigadores

Vasculhar, esse verbo que pode remexer no mais sórdido da natureza humana, nesse lado mais negro que nos acompanha na descida aos infernos ou na subida aos céus, no preconceito e no limite da tolerância que cultiva a escória, mesmo quando, seraficamente se vai podando e regando o roseiral.
Vasculhar, o caixote do lixo da história com as mãos de gardunho do futuro, de gadanho da fome, no interlúdio da morte, contígua a esta abominável decomposição da imundície do presente.
Os cães rafeiros são, neste cenário, o elemento que se considera mais próximo do humano, quiçá superior e são estes que nos ensinam agora, o mais elementar respeito pelas leis da sobrevivência.
Vasculhar, sentir o cérebro latejar no lado de dentro do silêncio, do desespero, indagar de forma veemente o nada, o inevitável, passar a pente fino, toda a mixórdia das hipóteses e dos lugares e, no regresso, de mãos aranha lívidas e de unhas negras, a abanar, ainda acreditamos ser possível o tecer do sonho, e virar do avesso a nossa inconsolável casa das ilusões. Dentro de nós existem fraquezas que desconhecemos.
Vasculhar, nesse emaranhado novelo de angústia ou atlas da memória onde quase nos perdemos definitivamente da esperança, depois do labirinto onde entramos. Andamos à volta de nós, procurando outro final para o fim onde nos encontramos.
Neste jardim das oliveiras, lá vamos confinando o medo onde definhamos, de forma a adiar o início da viagem sem regresso que cada vez, de forma mais assídua, nos confronta com aquilo que melhor resiste, o pior de nós mesmo.
Finalmente, depois de tanto vómito, de nos habituarmos a frequentar o esgoto e a sargeta, de tanto transigir, naquilo que juramos a pés juntos ser o nosso último reduto de dignidade, após tanto excremento na ventoinha, depois de tanta morte adiada, de todo esse estrume, as mãos em estrela dos novos respigadores vão fazer irradiar, a madrugada de uma bela e pequena flor sem nome, propagando o perfume da compaixão e das ideias, o contágio da corola de um sorriso audaz, o seu frágil caule vai-nos despertar para a alegre energia dos caminhos e dos espelhos, permitindo evitar a aridez desumana dos atalhos e a nossa sombra pegajosa de caçadores dos pântanos.
Lisboa, 3 de Maio de 2012-05-03
Carlos Vieira


         Um homem respigando numa lixeira da Venezuela no site “Requiem of Human Soul”