terça-feira, 21 de fevereiro de 2012
Antoine Watteau
Crepúsculo mascarando as árvores eas faces
Com o seu manto azul, sob um disfarce incerto;
Uma poalha de beijos rondando as bocas lassas...
Surge terno o que é vago e longínquo o que é perto.
A mascarada, outra longe melancolia,
Faz o gesto de amar mais falso, triste encanto.
Capricho de poeta - ou prudência de amante,
Que para adornar o amor há que ter maestria -
Eis barcas, libações e harmonias.
Marcel Proust
"The Feast of Venice" - Antoine Watteau
Sinfonia Fantástica, de Berlioz
Programas, poetas, sonhos de ópio,
pastores pipilando, e as guilhotinas,
e o sábat das bruxas ao som do Dies Irae,
comédia melancólica e sarcástica
de romantismo sentimental e crítico
desesperadamente triste de si mesmo,
na solidão do espírito perdido
num mundo burguês sem fantasia,
sem mais maravilhoso que o da infâmia,
sem mais espanto que o da hipocrisia.
Tudo isto com bem pouca reserva,
bastante vulgaridade, muito efeito fácil,
e um colorido por vezes novo rico
como os cristais e as pratas dos barões banqueiros.
Mas é música, violentamente
música. Agressivamente
música. Os ritmos
de cadência, colorido, timbres,
estilos, tons - é tudo música.
Da solidão romântica imensamente pública - mas solidão.
Da amargura romântica tremendamente amena - mas uma amargura.
Da raiva de não ser o mundo uma obra de arte,
um indivíduo, a glória, a liberdade.
Música pungente, irónica, raivosa,
ainda saudosa das doçuras clássicas
com deuses imortais (de pedra branca).
Se não sentimos isto, porque a grosseria
cresceu à escala cósmica, nenhuma culpa
acaso cabe a tais visões sonoras,
em que a tristeza sabe imaginar-se
tão puramente um canto de oboé,
com percussões pontuando o mundo a que assistimos,
ao som dos arcos e metais:
grandeza caricata deste inferno amável
(cheio de róseas profundezas - e assassinos).
23/10/1964
Poesia II, Jorge de Sena
Depoimento de uma testemunha pouco relevante
Recordo-me de uma luz tímida trémula
naquele suspenso jardim de inverno
e da sobrevivência de um vulto
antes de um fogacho
que foi uma flor pretensiosa e intrépida
que se apagou no estampido
e desapareceu na selva o trote de um órix.
No vento revelou-se um inesperado incêndio
e a minha asma
que se sucedeu sucessivamente,
sem grande precisão
ainda sinto aquele perfume preliminar de horas mansas
uma impaciência da sala de estar
e a brisa da tarde onde sustive a respiração
perante a nua tranquilidade das ameixas roxas.
Podia adivinhar
naquela gente o sorriso cínico
depois soluços de âmbar.
Sobre uma mesa tenho a cristalina memória
da solitária dissidência de um jarro de água
e do seu olho vítreo a observar-nos
sobre um naperon de linho
no início da sede e do pesar.
A essa hora
ainda havia luz no jardim, suspensa
que se ia finando também
afinal talvez uma réstia
da rapariga trémula e tímida
disseram-me que louca
e agora, de facto, mortas
- tenho aquela imagem
de um final -
ela e a pistola mais à frente,
sobre o resto
gostaria de não me pronunciar.
Lisboa, 20 de Fevereiro de 2012
Aguarela pintada por Vassia Alaykova
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012
Esplendor na Relva
Natalie Wood em "Splendor in the Grass"
Eu sei que deanie loomis não existe
mas entre as mais essa mulher caminhae a sua evolução segue uma linhaque à imaginação pura resiste
A vida passa e em passar consiste
e embora eu não tenha a que tinha
ao começar há pouco esta minhaevocação de deanie quem desiste
na flor que dentro em breve há-de murchar?
(e aquela que no auge a não olhar
que saiba que passou e que jamais
lhe será dado a ver o que ela era)
Mas em deanie prossegue a primavera
e vejo que caminha entre as mais
Ruy Belo
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