terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Sinfonia Fantástica, de Berlioz


Programas, poetas, sonhos de ópio,
 pastores pipilando, e as guilhotinas,
 e o sábat das bruxas ao som do Dies Irae,
 comédia melancólica e sarcástica
 de romantismo sentimental e crítico
 desesperadamente triste de si mesmo,
 na solidão do espírito perdido
 num mundo burguês sem fantasia,
 sem mais maravilhoso que o da infâmia,
 sem mais espanto que o da hipocrisia.
 Tudo isto com bem pouca reserva,
 bastante vulgaridade, muito efeito fácil,
 e um colorido por vezes novo rico
 como os cristais e as pratas dos barões banqueiros.
 Mas é música, violentamente
 música. Agressivamente
 música. Os ritmos
 de cadência, colorido, timbres,
 estilos, tons - é tudo música.
 Da solidão romântica imensamente pública - mas solidão.
 Da amargura romântica tremendamente amena - mas uma amargura.
 Da raiva de não ser o mundo uma obra de arte,
 um indivíduo, a glória, a liberdade.
 Música pungente, irónica, raivosa,
 ainda saudosa das doçuras clássicas
com deuses imortais (de pedra branca).
 Se não sentimos isto, porque a grosseria
 cresceu à escala cósmica, nenhuma culpa
 acaso cabe a tais visões sonoras,
 em que a tristeza sabe imaginar-se
 tão puramente um canto de oboé,
 com percussões pontuando o mundo a que assistimos,
 ao som dos arcos e metais:
 grandeza caricata deste inferno amável
 (cheio de róseas profundezas - e assassinos).

23/10/1964
Poesia II, Jorge de Sena

Concha Buika-La Bohème

Sonny Rollins-St.Tomas

Depoimento de uma testemunha pouco relevante


Recordo-me de uma luz tímida trémula

naquele suspenso jardim de inverno

e da sobrevivência de um vulto

antes de um fogacho

que foi uma flor pretensiosa e intrépida

que se apagou no estampido

e desapareceu na selva o trote de um órix.

No vento revelou-se um inesperado incêndio

e a minha asma

que se sucedeu sucessivamente,

sem grande precisão

ainda sinto aquele perfume preliminar de horas mansas

uma impaciência da sala de estar

e a brisa da tarde onde sustive a respiração

perante a nua tranquilidade das ameixas roxas.

Podia adivinhar

naquela gente o sorriso cínico

depois soluços de âmbar.

Sobre uma mesa tenho a cristalina memória  

da solitária dissidência de um jarro de água

e do seu olho vítreo a observar-nos

sobre um naperon de linho

no início da sede e do pesar.

A essa hora

ainda havia  luz no jardim, suspensa

que se ia finando também

afinal talvez uma réstia

da rapariga trémula e tímida

disseram-me que louca

e agora, de facto, mortas

- tenho aquela imagem

de um  final -

ela e a pistola mais à frente,

sobre o resto

gostaria de não me pronunciar.


Lisboa, 20 de Fevereiro de 2012
Carlos Vieira


Aguarela pintada por Vassia Alaykova




segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

PETER ERSKINE TRIO - Touch her soft lips and part

Esplendor na Relva


                                                Natalie Wood em "Splendor in the Grass"

Eu sei que deanie loomis não existe
mas entre as mais essa mulher caminhae a sua evolução segue uma linhaque à imaginação pura resiste

A vida passa e em passar consiste

e embora eu não tenha a que tinha
ao começar há pouco esta minhaevocação de deanie quem desiste

na flor que dentro em breve há-de murchar?
(e aquela que no auge a não olhar
que saiba que passou e que jamais

lhe será dado a ver o que ela era)
Mas em deanie prossegue a primavera
e vejo que caminha entre as mais

Ruy Belo

auschwitz guccini