espiral de sol
que nos aquece por dentro
e desce até ao sinuoso silêncio
a esse mais tímido exercício da vida
de onde irradia
um rasto de mel
proclamas uma fantasia de saliva
e celebras um reino
sobre um caminho de musgo
e o suave persuadir das pétalas
tu que tens a sabedoria vegetal
e o fogo translúcido das amoras
conheces a subtileza dos pirilampos
no meio das trevas
desde o princípio dos tempos
e estás inebriado
de um perfume de feno e de madrugadas
o teu pensamento é feito de um fulgor
de laranjas
e do restolhar dos pássaros
nos arbustos
ardes no absoluto das fragâncias
foges ao ardil da palavra
vais pelo Verão
pelo leito dos rios
e escutas ainda o alarido das correntes
à margem das confidências
e depois de cultivares
a paciência dos répteis
que devastam as colheitas
e todo o conhecimento
foi na aparente ingratidão dos peixes
e no rigor das estações
que aprendeste a construir
a solidão de todos os muros
e o avesso de todas as portas
e vais tu pelo indelével
itinerário
na tua reincidência de flores
fazes deflagrar
em qualquer lugar
a laboriosa e exacta dimensão
do teu mundo interior
de caracol
quase esmagado
meu vizinho e meu irmão
mesmo que o déspota prevaleça
ou o vendaval sopre
e arrase a tua casa frágil
se ela ficar de súbito vazia
que os seus escombros
e fragmentos de memórias
sejam os versos deste poema
e tudo aquilo que perdemos
signifique o absurdo
de um dilema
uma réstia de esperança
mesmo que efémero
o salvo conduto
da liberdade
Lisboa, 4 de Fevereiro de 2012
Carlos Vieira