sexta-feira, 25 de setembro de 2015
Bailado minimal das trevas à luz
Despes
o manto da noite
ajaezado de estrelas
pela luz do teu corpo
encadeado
e nele aflito
me apago
a ele me entrego
despojado
ao teus pés
depois renasço
e regresso à vida
acredito
no rito do rio
em ânsias de foz
pelo tactear
dos teus dedos
e os vestígio
das unhas
pelo imaculado
marfim
dos teus dentes
que mordem
pelo arfar
reconhecido
dos teus lábios
de onde inaudito
irrompe
um insulto
de raiva e de desejo
um grito
de combate
outro de misericórdia.
Lisboa, 24 de Setembro de 2015
Carlos Vieira
Exposição de Pompeia: fresco de um casal fazendo amor da Casa de Cecilio Giocondo iem Pompeii
Eutanásia ou boa morte
Regressas
ao local do crime
aos teus aposentos
á grande altura do pé direito
e à consonância
de uma tarde de Outono
à contemplação
da ausência
depois do tule
dos cortinados
onde te destruíste
de tanto amares
em silêncio
regressas
a essa obscura antecâmara
da morte
em que foste autor
inevitável
vitima colateral
de um amor maior
porque de boas intensões
está o Inferno cheio
és o principal suspeito
no mínimo por instigação
por exposição ao abandono
regressas
para teu sossego
após prescrição
ao impossível julgamento
e inútil punição
verificas o móbil
o refúgio
da sua religiosidade
não tens medo
diga-se
em abono da verdade
que também
não tens coragem
apercebes-te ainda
dos vestígios subtis
dos detalhes
que escaparam
à minúcia proficiente
do investigador
fazes a reconstituição
buscas a paz
contigo próprio
constatas
da sua impossibilidade
finges-te de morto
vives nessa calma aparente
do inconseguimento
daquele amor
regressas
a todos os casos
de estudo
ás mortes inexplicáveis
aos crimes perfeitos
sabendo que a tua existência
será para sempre
o teu castigo
recordas
das palavras repetidas
implorando
em sofrimento
tantas vezes
aquela última visão
das mãos lívidas
da perda
da gerandeza
no piedosos momento
em que cedeste
e te abandonaste
ao gesto fatal
enquanto tresloucado
na gaiola
do teu peito
um pássaro a esvoaçar
recordas
o eco dos teus passos
apressados
que fugiam
desesperadamente
às garras
de um silêncio opaco
definitivo
sem culpa
e sem expiação.
Lisboa, 25 de Setembro de 2015
Carlos Vieira
quinta-feira, 24 de setembro de 2015
Decadência e glória de uma estátua de um deus num jardim particular
Desta janela
aquela estátua
nua e de olhos lácteos
em louvor
a um deus grego
desconhecido
exposta às intempéries
são eloquentes
o verdete que a impregnou
e as brancas feridas da pedra
de alguma terrena queda
alguma negritude
desenhada
aqui ali interrompida
nas escultóricas fímbrias das vestes
e que as chuvas
não lavaram
uma única estátua
de deus grego num jardim
um hino á precariedade
à imperfeição da construção humana
uma representação monoteísta
enfim uma irrelevante
peça decorativa
que nos resgata
do céu da solidão
e que daqui se avista.
aquela estátua
nua e de olhos lácteos
em louvor
a um deus grego
desconhecido
exposta às intempéries
são eloquentes
o verdete que a impregnou
e as brancas feridas da pedra
de alguma terrena queda
alguma negritude
desenhada
aqui ali interrompida
nas escultóricas fímbrias das vestes
e que as chuvas
não lavaram
uma única estátua
de deus grego num jardim
um hino á precariedade
à imperfeição da construção humana
uma representação monoteísta
enfim uma irrelevante
peça decorativa
que nos resgata
do céu da solidão
e que daqui se avista.
afinal o ponteiro de sombra ...
afinal o ponteiro de sombra
no relógio de sol
era o teu olhar dardejante
no relógio de sol
era o teu olhar dardejante
Lisboa, 24 de Setembro de 2015
Carlos Vieira
Carlos Vieira
Poema do inacessível ao tangível
Pudesse eu ter
os teus mais breves pensamentos
os mais etéreos
que as minhas mãos
incansáveis
nunca deixariam de sobrevoar
em vigília
o teu leito
e para ti iriam inventar
novos frutos
diferentes madrugadas
e a densidade do meu sangue
seria a tinta que daria ao teu corpo
novas sinfonias
feitas com a inevitabilidade dos silêncios
em que me aguardou o teu olhar
em que te demoras
a escutar-me
nessa tua ternura eterna
de palavra sopesada.
os teus mais breves pensamentos
os mais etéreos
que as minhas mãos
incansáveis
nunca deixariam de sobrevoar
em vigília
o teu leito
e para ti iriam inventar
novos frutos
diferentes madrugadas
e a densidade do meu sangue
seria a tinta que daria ao teu corpo
novas sinfonias
feitas com a inevitabilidade dos silêncios
em que me aguardou o teu olhar
em que te demoras
a escutar-me
nessa tua ternura eterna
de palavra sopesada.
O burocrata...
o burocrata
na sua imensa sagacidade
e escravatura perante o detalhe
falsificou a tua verdadeira identidade
e não compreendeu
que o teu perfume na tarde
era mais que uma página virada
no seu gesto inexpressivo
de manga de alpaca
na sua imensa sagacidade
e escravatura perante o detalhe
falsificou a tua verdadeira identidade
e não compreendeu
que o teu perfume na tarde
era mais que uma página virada
no seu gesto inexpressivo
de manga de alpaca
sábado, 19 de setembro de 2015
Um bicho que conta
sobre a superfície
espelhada em mosaico da cozinha
frágil, um bicho de conta sobre si próprio
tolhido de um medo absurdo
para nós, reféns do prosaico
e de fantasias de opala
espelhada em mosaico da cozinha
frágil, um bicho de conta sobre si próprio
tolhido de um medo absurdo
para nós, reféns do prosaico
e de fantasias de opala
Aves e frutos e coicidências
Não sei o que faz o melro
no castanheiro
no meio de Setembro
mas adivinho-lhe
o timbre cristalino
do seu canto
amplificado na filigrana
das folhas
que caiem no fim da tarde
e que existe
alguma explicação
para que as castanhas
se tornem mais suculentas
e doces
no próximo Inverno.
no castanheiro
no meio de Setembro
mas adivinho-lhe
o timbre cristalino
do seu canto
amplificado na filigrana
das folhas
que caiem no fim da tarde
e que existe
alguma explicação
para que as castanhas
se tornem mais suculentas
e doces
no próximo Inverno.
Lisboa, 18 de Setembro de 2015
Carlos Vieira
Carlos Vieira
Duas rolas bravas...
Duas rolas bravas
duas pequenas nuvens
de céu enlameado
pousaram num pinheiro manso.
duas pequenas nuvens
de céu enlameado
pousaram num pinheiro manso.
Lisboa, 18 de Setembro de 2015
Carlos Vieira
Carlos Vieira
Por uma lágrima tua
Lágrima
súbito rumor
que bebo no bisel
dos teus lábios
e apaga o canto
na garganta
e liberta
línguas de fogo
e desfaz
os nós cegos
em que por tanto
querer viver
em libertação
todos dias
de exaustão
morremos.
Lisboa, 18 de Setembro de 2015
Carlos Vieira
Pintura de autor desconhecido
Poema para um guarda num perdido posto de fronteira
Hoje fui mais este dia sem pássaros
sem árvores
sua frescura de clorofila de floresta
sem a poalha dourada
suspensa
nas clareiras
cercadas dos olhares em pânico
dos antílopes
e da impaciência das feras
hoje não houve insectos
insaciáveis
na sua ânsia de rendilhar a realidade
e as tardes do fim do Verão
nem a menor sombra de pecado cintilava
a contaminar
da inapelável solidão a pureza do tempo
não houve os peixes abandonados na água salobra
dos lagos
sucumbindo num vermelho desmaiado
nem das sua guelras gorgolejam
turvos reflexos de prata
e desolação
as flores na sua frívola petulância
não desabrocharam bocejos de tédio e mofo
em jarras baratas de cerâmica empoeirada
por debaixo da sombra periclitante
das teias
que coavam moscas
e a luz mortiça do crepúsculos
no refúgio das janelas
que depois adornava no louceiro
os copos de cristal
onde se pode vislumbrar
tempos longínquos de vinho nobres
e de festejos
hoje nem o ranger do soalho
o desperta
o estremece
nem o talho doce da mobília
nem o ocre silêncio dos baixos relevos do estuque
hoje quando sintonizava
em FM
a sua estação de rádio
veio-lhe à memória
histórias antigas de gaz pimenta e de crianças separadas
todo o doméstico encantamento
do seu pequeno mundo desabou
e a raiva paralisou-lhe o medo e as lágrimas
como é possível tantos quilómetros de esperança
e portais fechados a tanto sofrimento
e as crianças senhor!
sem visto
nem passaporte.
sem árvores
sua frescura de clorofila de floresta
sem a poalha dourada
suspensa
nas clareiras
cercadas dos olhares em pânico
dos antílopes
e da impaciência das feras
hoje não houve insectos
insaciáveis
na sua ânsia de rendilhar a realidade
e as tardes do fim do Verão
nem a menor sombra de pecado cintilava
a contaminar
da inapelável solidão a pureza do tempo
não houve os peixes abandonados na água salobra
dos lagos
sucumbindo num vermelho desmaiado
nem das sua guelras gorgolejam
turvos reflexos de prata
e desolação
as flores na sua frívola petulância
não desabrocharam bocejos de tédio e mofo
em jarras baratas de cerâmica empoeirada
por debaixo da sombra periclitante
das teias
que coavam moscas
e a luz mortiça do crepúsculos
no refúgio das janelas
que depois adornava no louceiro
os copos de cristal
onde se pode vislumbrar
tempos longínquos de vinho nobres
e de festejos
hoje nem o ranger do soalho
o desperta
o estremece
nem o talho doce da mobília
nem o ocre silêncio dos baixos relevos do estuque
hoje quando sintonizava
em FM
a sua estação de rádio
veio-lhe à memória
histórias antigas de gaz pimenta e de crianças separadas
todo o doméstico encantamento
do seu pequeno mundo desabou
e a raiva paralisou-lhe o medo e as lágrimas
como é possível tantos quilómetros de esperança
e portais fechados a tanto sofrimento
e as crianças senhor!
sem visto
nem passaporte.
domingo, 13 de setembro de 2015
que um raio fulmine...
que um raio fulmine
o poema
que é como gaiola de Faraday
onde a palavra mais límpida
se turva
e o canto mais puro
dentro de si
anoitece
Lisboa, 13 de Setembro de 2015
Carlos Vieira
o poema
que é como gaiola de Faraday
onde a palavra mais límpida
se turva
e o canto mais puro
dentro de si
anoitece
Lisboa, 13 de Setembro de 2015
Carlos Vieira
Poema para uma deusa adolescente que fugiu do 1.° andar da Praça Navona
Este é mais um texto que era para ser mais um poema menor, como são todos muitos que se alimentam de um amor maior pelos deserdados nas praças desta vida.
Conta mais uma história de uma princesa, da sua clausura numa torre de marfim, não fala dos seus algozes e de si mesma ou da sua tristeza infinita, nem aborda ao de leve a sua grande loucura, o seu amor desesperado, impossível, que foi o seu veneno e também e sua cura.
Não é esquecido o reino ao abandono, o seu fado, esse canto que se confunde com choro abafado e probreza envergonhada, onde com pouco esforço se escuta a percussão de grilhetas e nos tambores feitos de pele dos escravos as vergastadas do silêncio.
Na fonte da Praça sacia-se o mármore dos deuses e um menino louro com síndroma de Down toca realejo.
Escrevo um poema de uma princesa anoréctica, triste quase sempre, que numa noite de insónia foge pelo lençol das entrelaçadas palavras em surdina, para os braços de um sonho, braços que a libertaram da cruz dos garrotes num país esgotado, mártir que resiste, estranhamente ágil, salta para a garupa da incoerência, do corcel de ébano.
Joana d'Arc tatuada com coroa de piercings e de alma devorada pelo fogo, a sua cabeleira vermelha de bruxa ao vento desgrenhada, ergue uma espada de crua luz fluorescente, que roubou do guarda-roupa de um figurante do Star Wars.
No meio desse nevoeiro artificial, truncada descoberta de um novo tempo, limpo, sem compromisso, deusa deserdada, refém desse amor maior que nunca se entrega e que só com a sua morte a liberta, do Palazzo do 1.° andar da Praça Navona.
Este é um poema de uma princesa romana sem história.
Roma, 11 de Setembro de 2015
Carlos Vieira
sábado, 5 de setembro de 2015
Madrigal aos tessalonissenses
Deixou-te na clausura
da tua solitária torre branca
a vigiar a terra macedónia
a intrépida aventura
do cavalo baio otomano
a galope na aura
e na planície etérea
o trirreme romano
sulcando as águas tépidas da baía
rasgam o sal da tua pele
nas montanhas a espreitar
os bonés companheiros
da Resistência
do Terceiro Reich a águia negra
sabem os itinerários
da esperança e da ignomínia
rainha helénica
frescor elegante de ânfora
inquieta repousas
na penumbra dos teus aposentos
embevecida Penélope
bálsamo mediterrânico
de olhar húmido
ausente
ele permanece atónito
em distante viagem
cercado da sua tristeza vaga
refém da conquista e do canto de sereia
de uma saga envolta
na bruma ocidental
escravo da infinita busca
da verdade e de qualquer mito
de qualquer Atlântida
ou Europa solidária
de acrónico escrito
esquecido
que a verdade das coisas
do dracma e do euro
de tudo aquilo que se ganha
ou que se perde
e que se troca
é muito menos
que a eternidade
do beijo que se acende
e que morre
e que te morde
no sequiosa torre de coral
da tua boca.
Salónica, 4 de Outubro de 2015
Carlos Vieira
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