Já me faltam as palavras…
Há aquelas que parecem ter dado à costa ou foram resgatadas
entre os escombros de um naufrágio, palavras-búzio, seixos redondos e ninhos de
pássaro, na rocha escarpada, a salvo dos predadores.
Algumas, mastigo-as em seco, agridoces, não me saem, não as
consigo acompanhar ou escrevê-las inteiras, outras, ausentam-se para longe e
quando as procuro constato que as perdi, mesmo, nos cada vez mais raros acessos
de clarividência ou quando não estou submerso no nevoeiro.
No entanto, existem umas tantas que são tão fiéis como
rebanhos, tenho muitas vezes das enxotar de perto de mim, parecem não sobreviver
sem mim. Confesso nunca ter experimentado viver sem elas.
Outras, não me deixam respirar, enchem-nos a boca, entram-nos
pelos olhos adentro, entopem-nos o pensamento, ficamos ali especados,
desamparados, de costas voltadas para o ocaso, quando muito solta-se um
murmúrio, uma interjeição.
Depois, há aquelas palavras que ultrapassam a altura da nossa
vida e que temos dificuldade em nomear e as que podem já ser encaradas, como se
fossem o princípio da decadência, primeiras sementes da nossa morte.
Deitam-se connosco e revelam-nos seus corpos desnudos, sem
nenhuma afeição e pudor, em decúbito dorsal, calam-nos e revolvem-nos as entranhas,
despertam-nos as memórias, os últimos ecos das ondas a perseguirem as gaivotas.
Chamo por elas perdidas nos campos, às voltas com os
pássaros, brilham cor de azeviche como azeitonas depois da chuva, no entanto,
já não me obedecem como quando era criança, em que as inquietava de bichos e
armadilhas.
Agora soletro-as, decomponho-as, ausculto-lhe o rumor que se
desprende débil, como se fosse uma fonte surpreendente, no mármore da parede
deste tempo, mas este meu desvelo parece ter apenas como penhor o seu desprezo e parece-me ouvi-las segredar com desdém “desiste, deixa-nos respirar!”.
4 de Novembro de 2013
Carlos Vieira