quinta-feira, 21 de março de 2013

Indícios e inquietações e esboços




Reencontro-te
porque vais tocando o solo como se fosses um anjo
nos vestígios quase impercetíveis de rastos e de antigos caminhos
que as areias do deserto e do esquecimento quase apagaram
descortino no teu vestido caído
o peso subtil da porcelana do teu corpo
teus pés de fogo fazem crepitar as folhas caídas
e entras sem pedir licença por mim a dentro
no meu peito despertas o labor paciente de um rumor de bichos
que ruminam ervas à volta de um inefável sentimento
e vejo-te no espelho com olhos de admirar as ruínas da terra
cegos de espanto e do húmus para o início das flores e dos frutos
os  pássaros tecem segredos e ninhos num afeto de lama e argila
podia ter um cão que pudesse farejar
tão perto e tão longe a lâmina  fria da palavra murmurada
depois se perdesse também por ti no arvoredo
no seu instinto todos somos animais
e todos selvagens
presos ao silêncio dos pensamentos mais puros
onde um a um vamos beber à nascente
cansados  de tanto desbravar caminho
agora podia adivinhar o teu perfume esplêndido
um mistério prestes a desfazer-se
de mar fustigando a rocha
de inseto que acabou de pousar no princípio do mundo
e de palavras que te queria dizer presas na garganta
o teu nome na minha voz fulminante que atravessa a árvore
como se fosse um raio de sol vencendo a penumbra
para beijar a ténue corola da tua pele expectante
e para que possas voltar
e vislumbrar a calma enseada do meu ombro
onde te abrigavas.

Lisboa, 21 de Março de 2013
Carlos Vieira




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