Reencontro-te
porque vais tocando o solo como se fosses
um anjo
nos vestígios quase impercetíveis de
rastos e de antigos caminhos
que as areias do deserto e do
esquecimento quase apagaram
descortino no teu vestido caído
o peso subtil da porcelana do teu
corpo
teus pés de fogo fazem crepitar as
folhas caídas
e entras sem pedir licença por mim a
dentro
no meu peito despertas o labor paciente
de um rumor de bichos
que ruminam ervas à volta de um
inefável sentimento
e vejo-te no espelho com olhos de
admirar as ruínas da terra
cegos de espanto e do húmus para o
início das flores e dos frutos
os pássaros tecem segredos e ninhos num afeto de lama
e argila
podia ter um cão que pudesse farejar
tão perto e tão longe a lâmina fria da palavra murmurada
depois se perdesse também por ti no
arvoredo
no seu instinto todos somos animais
e todos selvagens
presos ao silêncio dos pensamentos
mais puros
onde um a um vamos beber à nascente
cansados de tanto desbravar caminho
agora podia adivinhar o teu perfume
esplêndido
um mistério prestes a desfazer-se
de mar fustigando a rocha
de inseto que acabou de pousar no
princípio do mundo
e de palavras que te queria dizer presas
na garganta
o teu nome na minha voz fulminante
que atravessa a árvore
como se fosse um raio de sol vencendo
a penumbra
para beijar a ténue corola da tua
pele expectante
e para que possas voltar
e vislumbrar a calma enseada do meu
ombro
onde te abrigavas.
Lisboa, 21 de Março de 2013
Carlos Vieira
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