olho para ti espantado, mulher vulnerável e crédula perante a parca bondade dos homens e dos bichos incautos
volto à tua ingenuidade de fazeres amor nos campos, às escondidas dos deuses, ao teu riso estridente entre as carícias do vento e as espigas de trigo
caminha mulher descalça que só de pisares a terra a alimentas e no teu encalço segue-te um renque de flores e frutos
tu és frágil como um pássaro no Inverno e pousas na luz escassa e evidencias o peso pluma da tua inocência
ligeira atravessas a floresta, a medo colhes o musgo e o azevinho, no caminho de regresso já te perdeste e ao chegares a casa estás definitivamente esquecida de ti própria
da tua débil figura indagas os animais prodigiosos que te perseguem inebriados da doçura do teu olhar
permaneces imperturbável nesse inevitável equilíbrio da tarde e perante o vasto rumor dos insectos insinuas a tua ténue presença, só assim poderás distinguir que a solidão não é tua, é a daqueles que só vivem porque te respiram
as tuas palavras adquirem o significado dos figos e tem a têmpera das espadas de antanho, serão inócuas, se o veneno da distância lhe subtrair o sentido
tuas mãos trémulas acercam-se do rosto e escondem as lágrimas que tremeluziam na firmeza do teu olhar
ali estás tu magra, a direito, enfrentando aquela imensidão, aquele mar, esquálida, deitada, enfrentando aquela lonjura, aquele céu, tu és o sal e pó das estrelas, na esteira da dor
límpida e etérea é a recordação que os homens guardam de ti e nos vapores do álcool dispõe-se a levitar na esperança de te rever, amaldiçoando o extermínio dos pinhais,
onde a resina amorosa das tuas mãos assinalava a incrível luz do coração subjugado
tu não vinhas com jogos de sedução, nem inventavas o canavial, celebravas a seiva e a oriflama festiva do teu sexo, levavas os homens para dentro de ti e ali brincavas e tu eras a ternura da brisa no Estio infernal
enquanto o sol brilhava tu resplandeceste na chuva que caía na memória ancestral e tu eras outra vez um rouxinol prestidigitador das sombras adejando inquieto
os deuses perdiam-se na redundância da tua boca e no êxtase do teu olhar, inédita confluência de estações, deslumbramento da primeira vez que abraçamos o corpo inteiro de uma mulher
Lisboa, 21 de Dezembro de 2011
Carlos Vieira
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