O poema é um exercício de dissidência, uma profissão de
incredulidade na omnipotência do visível, do estável, do
apreendido. O poema é uma forma de apostasia. Não há
poema verdadeiro que não torne o sujeito um foragido. O
poema obriga a pernoitar na solidão dos bosques, em campos
nevados, por orlas intactas. Que outra verdade existe no
mundo para lá daquela que não pertence a este mundo? O
poema não busca o inexprimível: não há piedoso que, na agi-
tação da sua piedade, não o procure. O poema devolve o
inexprimível. O poema não alcança aquela pureza que fascina
o mundo. O poema abraça precisamente aquela impureza que
o mundo repudia.
José Tolentino Mendonça
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