Ontem,
foram 40 os ladrões que adormeceram na minha casa.
Soerguem-se fantasmas e alguns hábitos ancestrais,
após o dia de pilhagens pelo que resta da cidade.
Esgotados,
sucumbiram de cansaço
e dormem agora
num sono de justos,
sem pesadelos,
sem remorso.
Até podia denunciá-los agora
ou distribuir o saque:
os segredos inconfessáveis das pedras
das preciosas e das outras,
as roupas de tecidos raros, diáfanos,
gaiolas de onde voam e onde regressam os pássaros,
os objectos afáveis, domésticos,
nos afectos
dos gestos de beleza crua,
vulneráveis no obséquio.
E eu sibilino, astuto receptador,
fariseu,
a manipular as contas do amor.
Os 40 mágicos
às vezes desenham o sol
no fundo da noite mais escura,
enquanto oiço o bocejar das horas,
venderam a lua ao desbarato.
Não há tempo
para a destreza dos beijos.
Indicam-me o oriente como quem teme
o presente,
como quem foge
às fogueiras dos ciganos,
das vidas tristes,
mostram-me golpes de mão e sorrisos,
contam-me as quedas em silêncio,
perdidos nos becos da vida,
sabem das enseadas do coração.
No gume do seu olhar
há uma infinita misericórdia,
as pessoas entregam-se agradecidas,
desarmadas,
após o canto final do amor desavindo.
nem um sabe o caminho,
não querem saber.
Eu guio-os pelas encruzilhadas do vento,
pelo trilho mais longo da vida.
Acordo-os cedo,
para lhe ensinar
a vencer a fome, a dor, a madrugada.
Perco-os depois nos desfiladeiros de luz
e ao longo das margens dos regatos,
vão embriagados
pela enorme curiosidade
dos peixes,
à superfície da aventura.
Em qualquer altura
posso ser chamado a testemunhar,
o sermão e a alegria
dos que não ficaram para trás.
Lisboa, 26 de Fevereiro de 2011
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