segunda-feira, 4 de abril de 2016

Retrato de um homem pouco emotivo


No talho doce
do tronco de bétula
permanece o seu gesto
tranquilo e teatral
à direita de quem entra
apenas o conspirar
do rumor da seiva
que precede o silêncio
enquadrado da gravura
e a barba aparada
depois o fato cinzento
do retratado em pose
que aguarda o hino
sem se desfazer
de um olhar limpído
do bosque de súbito
pode surgir a lâmina
em cloreto de prata
e um pensamento
a preto e branco
que antecede piedoso
golpe ou assassino
muito eugénico
e de repente o ar
tornou-se irrespirável.
Lisboa, 4 de Abril de 2016
Carlos Vieira


Retrato de Joseph Goebbels

domingo, 3 de abril de 2016

Na Páscoa...

na páscoa ao cruzar
o teu olhar de amêndoa
fez-me ressuscitar

Lisboa, 27 de Março de 2016

Carlos Vieira

A menina...

A menina
à minha frente
masca
pastilha elástica
distrai-se
a insuflar balões
de dez em dez
segundos
cria e destrói
novos mundos
com pouco açúcar
e muito fôlego
nada de dramas
tudo fácil
uma brincadeira
de crianças.
Lisboa, 3 de Abril de 2016
Carlos Vieira


Imagem de autor desconhecido

O frio...

“O frio é a porta do desaparecimento, a proximidade do não-ser”, diz o poeta e ensaísta Antonio Gamoneda, autor de Líbro del Frío (1992) e uma das vozes mais poderosas e singulares da poesia espanhola.

A vida medicamente assistida de poesia


As gotas
de soro
desciam
pela pequena
mangueira
transparente
e entravam-lhe
pela agulha
no antebraço
ele teve
um sorriso raro
e de seguida
um esgar de dor
no rosto esquálido
e implorou
à suave enfermeira:
" - Se não se importa
misture-lhe a poesia
da eternidade,
preciso apenas
de um pouco de descanso!"
Lisboa, 3 de Abril de 2016
Carlos Vieira

Texto de gente acossada



Viver acossado, em quotidiana guerra civil, sem saber para onde fugir ou optando por um sinistro desconhecido, sem casa, sem escola, sem saúde, é algo estranho, exótico, para este nosso mundo, não nos diz respeito, faz parte de outra humanidade!
Nós somente vivemos acossados pelo último grito da moda, pelo peso e pelas dietas, por consumo, pela cilindrada, por prestações, pelo elevador social, pela difícil escolha do destino de férias, pelas escapadelas,pela insegurança, pelas intempéries, vivemos a vida que outros nos vendem e estoiramos o cabedal, tal é conforme a nossa humanidade!
Que raio de bichos somos nós e qual deles nos mordeu?
Que estranho estão a bater-me á porta. Qual dos representantes da humanidades um dia nos pode bater á porta, sim porque nós não temos nada a haver com esses mundos.

Lisboa, 3 de Abril de 2016
Carlos Vieira

Balada da Neve

Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim

Augusto Gil

sábado, 2 de abril de 2016

Tenho uma profunda...

tenho
uma profunda
e contraditória atração
por tudo o que é ténue
pela precariedade
lá chegará o tempo
da tirania da eternidade
Lisboa, 21 de março de 2016
Carlos Vieira