quarta-feira, 30 de abril de 2014

O sol redondo...


o sol redondo rebola
para o outro lado do mundo
ao fim da tarde 

Lisboa, 30 de Abril de 2014


Carlos Vieira

a árvore da espera



sento-me 
dias a fio
debaixo
da azinheira
voltado para o sul
para ver-te passar
eclipse que só eu
sei alcançar
e que mais tarde 
ou mais cedo
sei se vai desmoronar
o céu azul

a esta árvore 
secular
cerca-a 
um oceano
ondulante
de trigo dourado
como tu a mim
me rodeias
sou o náufrago
que para poder
respirar
pelo crepúsculo
em vão te espera

ao abandonar
este barco verde
habitado de pássaros
vou estar 
de novo perdido
serei um país 
à deriva
a essa realidade
sobrevive
o sonho
de voltar a amar-te
com a cumplicidade
das estrelas

Lisboa, 30 de Abril de 2014
Carlos Vieira

ao longe...

ao longe
no meio da planície
e do estio
ergue-se uma charrua
que desistiu
de esventrar a terra
agora entrega-se
ao beijar da brisa
ave quieta 
abandonada ao cio 
da eternidade

Lisboa, 30 de Abril de 2014
Carlos Vieira

segunda-feira, 28 de abril de 2014

problemas de graduação

ninguém
reparou na sua íris
apenas o oftalmologista
a conhece de cor e salteado
quem me dera poder espreitar
para dentro de si e assim perceber
afinal qual é o seu problema principal
ver-me só ao perto ou ver-me só ao longe?
poderei vê-la a olho nu e ela à vista desarmada?

Lisboa, 28 de Abril de 2014
Carlos Vieira


Foi apanhar o feno...

foi apanhar o feno
que cresceu
na margem da levada
desfaleceu
ninguém sabe se do sonho
que ceifava
se foi da imagem que bebeu
do seu amor
na água fresca que passava

Lisboa, 28 de Abril de 2014
Carlos Vieira



domingo, 27 de abril de 2014

Sento-me...


sento-me 
no cais
entre colunas
o tejo e a luz
vêem à vez 
com vagar
lavar-me 
os pés
e levar-me
ao fado 
esse canto 
de sereia de rio 
de lisboa

Lisboa, 27 de Abril de 2014
Carlos Vieira

memória têxtil



essa indústria 
materna e antiga
feita de nós contados
e de número de agulhas
de meadas e de serões
do teu olhar a tricotar
invernos e verões
e nos prolongamentos
dos fios de lã encontrar
igualmente macias
tuas mãos por momentos
desocupadas de tecer 
a ternura

Lisboa, 27 de Abril de 2014
Carlos Vieira