domingo, 28 de julho de 2013

Abandonar-me...

Abandonar-me
à circunstância das tâmaras
dos seus seios
tornear a sua pélvis
num ultimato do magma
incandescente
percorrer o roteiro
dos seus odores
contemplar-te
sem me compadecer
depois erguer-nos
soberbo
sobre a madrugada
sem desfalecer
sem sombra de pecado
desferir o golpe fatal
que derrama sobre nós
inapelável
uma estrela interior
que nos guia
e que nos cega.

Lisboa, 28 de Julho de 2013
Carlos Vieira

Imagem de autor desconhecido

Chuva de Verão



Caiem pérolas 
de espanto
solfeja o colar
sobre os ombros nus 
a contar a solidão.

No vidro da janela
escorre
um débil adeus
a flor a pulsar
na tua mão.

Oiço lá fora chove
e cá dentro 
sobem as margens 
de um rio
sem razão.

No terraço
o tamborilar da chuva
o poema
é um coração
de ritmo hábil.

Chove sobre 
o seu silêncio aflito
que dorme
dentro da fome 
de gente ao relento.

Foi o seu regresso 
inesperado
os cabelos molhados
no teu olhar um dia
são quatro estações.

Lisboa, 28 de Julho de 2013
Carlos Vieira


Imagem de autor desconhecido


sábado, 27 de julho de 2013

A desaparecida de John Ford





Acabou de chegar
ao fim do mundo
onde o diabo 
não perdeu 
apenas os cornos
o visco do tempo
escorre da sombra
o pigmento ocre
dos sobrolhos franzidos
mal os distingue
das casas
onde ecoa
o rumor da eternidade
onde acabou de chegar
no coldre
traz a sua alma
com bala na câmara
não tem mais nada
a perder
senão trazer ao colo
o último
legado de um amor
impossível.

Lisboa, 27 de Julho de 2013
Carlos Vieira

"Um homem só pode ser fiel a um juramento"



The Searchers (A Desaparecida) John Ford

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Interlúdio II



Poalha de palavras 
e perfumes 
entre lâminas 
de persianas 
a dissidência do olhar
espreitando 
os biombos de palha
e a firmeza desesperada
levemente curva
dos corpos suados nus
perpendicular
à vigília fresca 
pendente 
dos bambus
ambos atónitos
perante
o musgo do silêncio 
das aranhas
e o húmus de uma luz
ténue que pousa
na sua pele.
.

Lisboa, 24 de Julho de 2013
Carlos Vieira


                                      Imagem de autor desconhecido

terça-feira, 23 de julho de 2013

Portinhola



Soltou-se do trinco
a portinhola
que permitiu 
a fuga do pássaro
a inexistência
ocupa agora a gaiola
por um acaso
deixa quieto o balouço
e o canto da ave
que ouço
suave
é também a luz
à mesma hora
na escola primária
da tarde
e agora
há esse pássaro
perdido lá fora
à solta
sem saber
de uma portinhola
que existe
de um mundo
que passa
por entre as grades
da gaiola.

Lisboa, 23 de Julho de 2013
Carlos Vieira



     

Imagem de autor desconhecido "A luz que nenhuma luz pode prender""

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Richard Galliano & Wynton Marsalis - La Foule

O risco azul...


O Beijo, de Rodin, em releitura de Cornelia Parker, A Distância


O risco azul a ondular sobre a palavra
um avião encarcerado em gaiola de nuvens
e nos seus lábios lívidos
a censura de um beijo de espuma
amortalha o último grito

Lisboa, 22 de Julho de 2013
Carlos Vieira