sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Futility ~ Wilfred Owen ~ Kenneth Branagh


Marina Rossell "Per tu ploro"


Poema a meia altura



Minha deusa de pés descalços
se desceres das nuvens
me levarás aos céus
e por breves instantes
à ilusão de vivermos fora do reino
do programa de ajustamento

Lisboa, 5 de Outubro de 2012
Carlos Vieira

Pisco-de-Peito-Ruivo



 

pássaro de boas memórias

de mínimas assombrações

menino de inúmeras glórias

 e de bravas deambulações

com intervalos de amoras

na aventura dos caminhos

onde passavam mais horas

com lagartixas e espinhos

pisco de tão subtil esvoaçar

a cruzar medos e silvados

e neste regresso ao prado

à vida dos pássaros antigos

assalta-me renovado ânimo

novos perigos outros trilhos

 

Lisboa, 5 de Outubro de 2012

Carlos Vieira

 

                                                           “Robin in Hazel” por Mike Hughes

 

 

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Poema da insensata cupidez




Tudo empalidece nas minhas mãos
Tocado de frio em mim tudo estremece
E definha na penumbra sua etérea beleza
Se vivo em cada vocábulo um esplendor
Ou por um dia a mais perseguida utopia  
Precede-me uma tristeza húmida e indolor
De perder o mundo em estéril melancolia.

A órbita ruidosa de constelações de gente
Em mim reclamam se me afasto no deserto
Se posso ser o rio que acende as palavras
Em sonhos de astros e aldeias esquecidas
Transplantados no poema de coração aberto
Logo soçobram nas águas paradas da razão.

Não sei de onde me vêm esta tão sôfrega pulsão
De para dentro de mim trazer todo o universo
De tudo possuir numa gaiola de palavras
De capturar o momento único e feliz num verso
Na luz que entardece nas cidades a natureza
Presunçosa fé de ter poder de torná-lo eterno.


Lisboa, 3 de Outubro de 2012
Carlos Vieira



terça-feira, 2 de outubro de 2012

Lebre


Lebre

relâmpago animal

que corre sobre a erva

elegante

a abraçar a morte

de chumbo

 

Lebre

de orelhas no ar

a florir na planície

o nariz sobre o orvalho

e a esperança

de vida

 

Lebre

inquieta de cães e de pólvora

galgando a noite de cinza

foge da morte

em direção à urgência

das madrugadas

 

Lebre

da impaciência

perde sobre a meta

no auge

por um corpo

para a tartaruga.

 

Lisboa, 2 de Outubro de 2012

Carlos Vieira

 
                                                              “Pensador” de Barry Flanagan

CARTA DE ALFORRIA



este poema aguarda
os que se assustam
da porta que se abre
da porta que se fecha
da chave na ranhura
dos dentes cerrados
na liberdade e na loucura
da corrente de ar

de espreitar o círculo do medo
e de fecharem os olhos
das mãos crispadas de raiva
das mães

os que se assustam
das mãos estrangulando
a vergonha
da carta das viúvas
que ainda se desconheciam
das notícias inesperadas
e das que há muito esperavas

guarda nas rimas
o silêncio do medo
das alturas e dos abismos
dos lugares que são do vazio
e das multidões
e dos sobressaltos
da paz e da guerra

guarda os desse medo
feroz do contratempo
que é a fome dos seus
e de todos os outros
dos que receiam
em não haver tempo
e daqueles sobrevivem
com todo o tempo do mundo
a uma insensata solidão
a titubear os estribilhos
das canções
dos que apenas murmuram
cansaço e desolação
em busca de um poema
que seja o passaporte
a viagem e o salvo conduto
a ponte e a passagem
para um país de coragem
carta de alforria
do campo de concentração
latente dentro de nós

Lisboa, 1 de Outubro de 2012
Carlos Vieira