segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Cai a lua, caem as plêiades ...

Cai a lua, caem as plêiades e
É meia-noite, o tempo passa e
Eu só, aqui deitada, desejante.
Safo


Norah Jones - What Am I To You?



Madrigal de um tímido


I
emboscado no canavial
estremece ao ver 
os pés descalços
que agitam
as águas do açude
irão despertar
nas profundezas
da alma
imprevisíveis monstros
II
no salgueiro
há um rouxinol aceso
uma boga beija
os lábios dela
no espelho de água
refletidos
apenas ele desconhece
os segredos
que se escondem
na sua boca
III
uma rã descansa
sobre o veludo verde
do nenúfar
ela entre os dentes
trinca uma flor silvestre
só quem pode
aproximar-se
pode distinguir
o alcance
dos seus perfumes
e sossegar
IV
entretanto a rã
pressentindo
o agitado coração
no canavial
coaxando
atira-se à água
como quem se despede
da vida
e a rapariga
por nada começa
a trautear
uma canção
de encantar
Lisboa, 19 de Maio de 2016
Carlos Vieira

Que ilação podemos retirar...

que ilação podemos retirar
de um cão rafeiro e vadio
que passa por nós a correr?
Lisboa, 16 de Maio de 2016
Carlos Vieira

Garatujar

um dia
hei-de voltar
aos rabiscos
e arabescos
a essa frugalidade
de garatujar
o mais incipiente
conhecimento
do mundo
Lisboa, 16 de Maio de 2016
Carlos Vieira

Poema a propósito do equilibrio inútil


Busco o incessante
equilíbrio
a emoção
sobre a prancha.
Navego a onda
que se desenrola
abraço o seu pescoço
de corola e de mulher
ausente.
Aspiro a fragrância
sou engolido
pela paz profunda
e por marítima revolta.
Percorro os verdes
e os azuis vários
a líquida transparência
e o caos nos sonhos
de sereia.
Triunfo sobre a espuma
que beija minha pele
cravejada de escamas
do ouro da praia.
Meu corpo cuspido
pelo oceano
enfeitado de algas
adquiriu o esplendor
do sal devastado
de solidão.
Lisboa, 16 de Maio de 2016
Carlos Vieira

Imagem de autor desconhecido