sábado, 26 de março de 2016

Praça do Marasmo III


Ajoelha-se
o engraxador
empertiga-se
o cliente
e o futuro
é uma estrela negra
nos sapatos
de verniz reluzente.
Lisboa, 7 de Março de 2016
Carlos Vieira


Praça do Marasmo II


Aqui
neste "happycentro"
da cidade
cosmopolita
há gente
de todos os sexos
e quadrantes
para todos os gostos
que vegeta
inteligentes e tolos
comem de boca aberta
crocodilos
de esplanada
regurgitam bolos
e bebericam
cristais de açúcar
nessa luz
translúcida e viscosa
de refrigerantes
e nesses momentos
aquecidos
das chávenas
e dos cafés
gente
de hoje e de antes
desempenham
cabalmente
o seu papel
transportando
as suas carapaças
durante o dia
pousam nas esplanadas
e mudam de penas
e de pele.
Lisboa, 7 de Março de 2016
Carlos Vieira


Praça do Marasmo I


Um pombo
imaculado
desfila 
pelo mármore
branco sujo
noivo
abandonado
na praça
onde andrajosa
uma idosa
distribui
grãos da
tristeza
amealhada.
Lisboa, 7 de Março de 2016
Carlos Vieira


Na berma da estrada...

na berma da estrada
uma cama de espargos selvagens
um caleidoscópio de emoções
Ponte se Sor, 2015
Carlos Vieira

Princípio da época do degelo




Oiço
vozes
o canto liquido 
dos pássaros
que escorrem
do musgo
das telhas
para a cisterna
após o tamborilar
da chuva
do lado de fora
da renda
das cortinas
adivinho
o destilar
do perfume
das tílias
suave
prenúncio
da loucura
nas manhãs.
Lisboa, 6 de Março de 2016
Carlos Vieira


Antílope...

antílope de hastes
florindo no horizonte africano
subtil ruminador de crepúsculos
Lisboa, 6 de Março de 2016
Carlos Vieira


Fogo-fátuo


Sei
o que foi
um dia 
o fogo-fátuo
do teu corpo
a levantar
o mar chão
um frémito
de borboleta
que acendeu
o teu sorriso
incomum
a tua sombra
que se distanciava
onde diáfano
cuidava
da construção
desse sonho
e nele te beijava
me deixava ir
correndo o risco
para quê acordar
ou resistir
não fosses
tu descobrir
o artifício
do deslumbramento
de que eu
apenas existia
em pensamento.
Lisboa, 6 de Março de 2016
Carlos Vieira