No seu rosto é possível vislumbrar o deserto num grão de areia lavado de lágrimas mesmo ali por debaixo da pele a inquietude o rasto das lagartas jogar às escondidas nas sepulturas cavadas pelas bombas chove violentamente no seu olhar perplexo sucedem-se elipses de pássaros e mísseis frenéticos os ramos e a paz indiferente das oliveiras nessa perigosa estrada que os leva para longe das longínquas brincadeiras dos antigos jardins ocultos agora numa Damasco a quem vai faltando às crianças o conhecimento das flores.
No lado negro da lua uma nuvem de cimento pinta de cinzento as casas e a vegetação endémica a serra emagrece salpicada pelas manchas de terra esventrada paira a poeira e um ruído indescritível dos motores em diálogo tonitruante com as rochas o homem ergue-se acima do colosso de betão armado respira ainda respira comendo o pó no esforço titânico enquanto sobrevive ao pulmão cavernoso.
Sobrevoa os píncaros da serra a águia-de-bonelli vence o verde da encosta e o céu em azul límpido o aparo da caneta arranha a carne intangível dos sonhos e na pele da escrita há um olhar de ave de rapina gente alcandorada e de garras na terra.
Portinhola da Arrábida, 16 de Fevereiro de 2016 Carlos Vieira
Sento-me no fim da muralha no final da tarde uma única gaivota por fim dança num bailado de remiges e espuma na derradeira vaga bate as asas diz-me adeus.
Portinho da Arrábida, 16 de Fevereiro de 2016 Carlos Vieira
O nevoeiro e o silêncio e os javalis descem pela serra feridas de calcário vencem a melancolia verde reflexos de quartzo e de peixes cansados do azul profundo esgrimem entre aromas de frutos silvestres e a voragem de beijos dos namorados desejos sublimes e razões obscuras.
Portinho da Arrábida, 16 de Fevereiro de 2016 Carlos Vieira