domingo, 28 de fevereiro de 2016

no agitar da clorofila das ervas...

no agitar da clorofila das ervas
reconheço o meu futuro a emoldurar
os campos e os caminhos
Lisboa, 16 de Janeiro de 2016
Carlos Vieira

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Desconcerto


“Consenta-se"
paciente
nesta torre
de marfim
neste farol
de paciências
numa névoa
particular.
Concentra-se
fora de si
observando
a ignomínia
da evasão
que por fim
expurga
não existe
maior fuga
e mais triste
do que a daquele
que só em si
existe
e que o procura.
Consente-se
ao deleite
do puro
isolamento
náufrago
a tricotar
os dias
de espuma.
Consome-se
na partilha
dos átomos
e afirma-se
inteiro
em cada um
na retórica
do meio
e do fim
enquanto
sorves
o copo de gin
não sabes
se meio vazio
ou meio cheio.
Consola-se
numa babel
de cimento
armado
de papel
de sangue
e tinta
permanente
tamanha solidez
transporta
inquieta
fragilidade.
Curva-se
nas tentativas
curva-se
nas derrotas
abruptamente
se levanta
intrépido
e já cansado
de tanta inépcia
em desacordo
com o silêncio
cúmplice
de contradições.
Sustém pontes
de pilares
beijados
pelo rio
onde se cala
que assim pode
ir correndo
levar incólumes
os sonhos
da nascente
e deixa-los
na rebentação
da foz.
Exaurido
por um conluio
de etéreos
afetos
contem
a respiração
acalenta
a vã esperança
que dentro de si
o rouxinol
volte a encantar
a solidão.
Lisboa, 16 de Janeiro de 2016
Carlos Vieira

Vizinha dê-me um pezinho de salsa...

- Vizinha dê-me um pezinho
de salsa.
E lá vai ela descalça
pelo jardim.
E quando regressa junto a mim
traz os pequenos molhos,
um sorriso assoma
na amêndoa dos seus olhos
tempera toda a manhã.
Nunca soube mentir
nem sei como ela descobriu
que não sei cozinhar.
Lisboa, 12 de Dezembro de 2016
CarlosVieira

Poemas de gente que não se vislumbra


Gente
que vai morrer aos poemas
a quem não deixaram nada
que não deixam nada
viveram rente à miséria
e nela morreram em harmonia
viveram junto
às aves de rapina
e de sovina
gente sem amnistia
e que sorria
claramente vista
meticulosamente revista
pois não vá o diabo tecê-las
gente vista por outra
com óculos de osso de tartaruga
gente que não se vê
e outra
que não se enxerga
gente que não vê
mais longe
e outra de incurável
miopia.
Lisboa, 11 de Janeiro de 2016
Carlos Vieira

Estrofe de verso quebrado


Estrofes
onde vive gente
cansada
a quem a companhia
cortou o gaz
as asas
as pernas
os pulsos
a jugular.
Tudo cortado
e saldado
morreram em paz
deixaram de ter dores
e dívidas.
Lisboa, 11 de Janeiro de 2016
Carlos Vieira

Um poema de palavras desalmadas...

Um poema
de palavras
desalmadas
de gritos
a apunhalar
a noite
peixes afiados
de resistir
aos pântanos
à merda
ao raio
de tudo mais
que nos pode
acontecer
na puta da vida.
Lisboa, 11 de Janeiro de 2016
Carlos Vieira

Um poema selvagem...

Um poema selvagem
mustang
que não se deixa montar
com o freio nos dentes
um poema
em que cada verso
seja um coice
certeiro a rimar
com o pó das estradas
e das estrelas
equilibrando-nos
na garupa 
de uma vida
insustentável.

Lisboa, 11 de Janeiro de 2016
Carlos Vieira